Absurdo: governo não quer dar aumento para salário mínimo e aposentadoria
FONTE: Folha SP
Otimista com a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro
Paulo Guedes (Economia) trabalha em um ambicioso plano para refundar a
legislação sobre as contas públicas do país. A intenção é reformular o
teto de gastos e "quebrar o piso", ou seja, frear o crescimento de
despesas que hoje pressionam o Orçamento —entre elas os benefícios
previdenciários ou atrelados ao salário mínimo.
O ministro trata o assunto como um legado de sua gestão, mas a proposta
só deve ser oficializada se houver vitória de Bolsonaro no dia 30 de
outubro. Nesse caso, uma PEC (proposta de emenda à Constituição) seria
apresentada no dia seguinte à eleição.
A permanência de Guedes em um eventual segundo mandato do presidente,
afirmam interlocutores, estaria condicionada à disposição do Palácio do
Planalto de abraçar os planos para o que ele chama de "novo marco
fiscal", visto pelo ministro como um reforço ao chamado tripé
macroeconômico —câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais.
O presidente Bolsonaro já declarou que, se quiser, o ministro permanecerá no time ministerial na hipótese de reeleição.
O desenho da nova arquitetura fiscal afastaria a necessidade de uma
licença para gastos extrateto (chamado de "waiver") —embora o plano
estabeleça também uma série de novas exceções para o teto de gastos,
além da correção menor de alguns gastos.
Dessa forma, avalia-se dentro da pasta que seria possível acomodar
cerca de R$ 100 bilhões adicionais dentro do teto em 2023, honrando
promessas eleitorais como a manutenção do piso do Auxílio Brasil em R$
600, o pagamento de um 13º para beneficiárias mulheres e a recomposição
de verbas para programas como o Farmácia Popular.
Uma das principais medidas em estudo é a desindexação do salário mínimo
e dos benefícios previdenciários. Hoje, eles são corrigidos pelo INPC
(Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior, o que garante
ao menos a reposição da perda pelo aumento de preços observado entre
famílias com renda de até cinco salários mínimos.
Trechos da proposta obtidos pela Folha afirmam que "o salário mínimo
deixa de ser vinculado à inflação passada". Na nova regra, o piso
"considera a expectativa de inflação e é corrigido, no mínimo, pela meta
de inflação". O gasto com benefícios previdenciários "também deixa de
ser vinculado à inflação passada".
Com isso, abre-se a possibilidade de uma correção abaixo da inflação
nos benefícios previdenciários, que têm despesas projetadas em R$ 859,9
bilhões para o ano que vem, e do salário mínimo. O piso nacional afeta
também os gastos com seguro-desemprego.
Outra discussão é mudar o índice usado para o IPCA (Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo), que mede a variação de preços sentida por
famílias com renda de até 40 salários mínimos —e que costuma ser menor
do que o INPC.
Para se ter uma ideia da dimensão da mudança, o INPC de 2021 teve alta
de 10,16%, percentual usado na atualização do salário mínimo para R$
1.212. Caso apenas a meta de inflação de 2022 fosse aplicada, a elevação
seria de 3,5%. Se a opção fosse pela expectativa do início do ano para o
IPCA em 2022, o reajuste seria de 5,03%. Os detalhes ainda estão em
discussão e não são definitivos.
Hoje a Constituição assegura que o salário mínimo tenha seu poder
aquisitivo preservado por meio de reajustes periódicos —o que garante,
pelo menos, a correção pela inflação. O piso nacional também é a
referência mínima para o pagamento das aposentadorias.
O governo Bolsonaro enviou a proposta orçamentária de 2023 sem previsão
de reajuste real (ou seja, sem ganhos além da inflação) pelo quarto ano
seguido.
Tentativas anteriores de desvinculação de benefícios da Previdência ou
do salário mínimo enfrentaram resistência de Bolsonaro, que chegou a
ameaçar com um "cartão vermelho" um secretário do Ministério da Economia
que foi porta-voz de uma proposta similar em 2020.
ENTENDA A CORREÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO
Como é hoje
A Constituição determina que o salário mínimo tenha reajustes
periódicos que assegurem seu poder de compra, o que garante pelo menos a
correção pela inflação. Já o piso dos benefícios previdenciários
precisa seguir o salário mínimo. O governo Bolsonaro propôs que em 2023 o
mínimo tenha apenas o reajuste pela inflação, sem ganho real, pelo
quarto ano seguido
Como ficaria
A regra para a correção do salário mínimo e dos benefícios
previdenciários passaria a considerar a inflação projetada para o ano
corrente, em vez de ficar vinculada à inflação do ano anterior. No
mínimo, estaria garantida a atualização pela meta de inflação
estabelecida para o exercício. Caso o novo modelo estivesse em vigor na
definição do salário mínimo em 2022, por exemplo, o reajuste de 10,16%
(inflação de 2021) aplicado no piso poderia cair a 5,03% (IPCA projetado
no começo de 2022) ou 3,5% (caso considerada a meta de inflação do
exercício)
A maior flexibilidade nessas despesas, contudo, sempre foi uma bandeira
de Guedes e é defendida por atuais integrantes da equipe econômica. Em
junho, o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da
Economia, Esteves Colnago, afirmou em audiência pública no Congresso que
a maior medida na área fiscal seria rever a elevação automática de
despesas públicas —e citou como exemplo a desindexação de benefícios
previdenciários e salário mínimo.
Agora, Guedes retoma a proposta para incluí-la em seu novo marco
fiscal. O ministro tem mantido várias reuniões com as áreas técnicas
para elaborar a PEC com as mudanças.
Também está sendo defendida na reformulação capitaneada pelo ministro a
retirada de certas despesas do teto de gastos. Entre elas, as não
recorrentes que fossem bancadas por uma diminuição do Estado, com a
venda de ativos (como estatais).
Para o ministro, as receitas com essas operações podem inclusive
abastecer o chamado Fundo Brasil, instrumento planejado por ele para
receber recursos com as privatizações e destinar 50% do montante à
redução da dívida pública. Outros 25% seriam destinados a investimentos e
os 25% restantes a beneficiários do Auxílio Brasil.
Pessoas envolvidas na discussão citam que, ao se desfazer de uma
empresa como a PPSA –estatal que comercializa a fatia de petróleo da
União nos contratos do pré-sal–, o governo poderia abater dívida,
investir em obras e combater a pobreza. Em caráter ilustrativo, é citada
a possibilidade de concessão de um benefício único de R$ 10 mil a
famílias vulneráveis em caso de venda de uma estatal, gasto que ficaria
fora do teto.
Hoje o teto de gastos é corrigido apenas pela variação do IPCA do ano
anterior, modelo que Guedes considera "mal construído" e uma "bandeira"
para um país que ainda vive sob irresponsabilidade no manejo do
Orçamento.
Técnicos do Ministério da Economia já vinham trabalhando em um
redesenho do teto de gastos, com dois modelos distintos. Nas discussões,
o ministro tem manifestado preferência pela proposta da SPE (Secretaria
de Política Econômica).
Como antecipou a Folha, essa regra permite o crescimento real das
despesas conforme a variação do PIB (Produto Interno Bruto). A
magnitude, por sua vez, dependeria do patamar de endividamento do país.
No entanto, o chefe da equipe econômica considera que só a mudança no
ritmo de ampliação do limite de gastos é insuficiente. Por isso, a
equipe também avalia mudanças nas despesas que ficam na base de cálculo
do teto.
Uma das ideias, inclusive, é excluir toda a despesa previdenciária do
teto e considerar, sob o limite, apenas o montante relativo ao déficit
—volume dos benefícios que não são cobertos pelas receitas do INSS. Há
uma avaliação de que os gastos com benefícios têm um ritmo de
crescimento elevado, por causa das novas concessões, o que acaba
roubando espaço de outras despesas. Já o déficit, estimado em R$ 264,9
bilhões para 2023, tem uma evolução mais lenta.
A lógica da mudança seria considerar que uma parte da despesa do INSS é
financiada com receitas próprias para esse fim e, por isso, não
precisariam estar na limitação.
O mesmo raciocínio é aplicado a outras rubricas. Nas discussões
internas, avalia-se também excluir da base de cálculo do limite outras
despesas bancadas com receitas próprias, como aquelas arrecadadas por
universidades ou demais órgãos da administração pública. Alguns
convênios e doações também ficariam fora do teto.
Mas a discussão está longe de ser um consenso e enfrenta críticas na
área técnica por contrariar o próprio princípio do teto, que foca apenas
no controle das despesas.
A equipe também propôs rever o abono salarial, espécie de 14º salário
pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários
mínimos. Mas, segundo pessoas ouvidas pela reportagem, o ministro
resiste a mudanças nesse benefício. Em 2020, Bolsonaro reagiu a uma
proposta semelhante dizendo que não iria "tirar de pobres para dar a
paupérrimos".
Guedes tem sido alertado por uma ala da equipe de que as medidas podem
pressionar ainda mais a dívida pública, que já se encontra em patamar
elevado; mas, para ele, a venda de ativos é capaz de assegurar maior
controle sobre o endividamento.
Nas tratativas internas, técnicos também discutem a possibilidade de o
Poder Executivo usar espaço fiscal que hoje está reservado a outros
Poderes, como Judiciário e Legislativo. O objetivo é evitar que o
crescimento real do teto geral de despesas acabe irrigando aumentos
salariais polpudos a essas categorias.
O outro modelo vem sendo formulado pelo Tesouro Nacional e autoriza o
crescimento real das despesas conforme o nível e a trajetória da dívida
pública, a uma taxa a ser definida a cada dois anos. A proposta também
concede um bônus anual de ampliação dos gastos em caso de melhora do
superávit nas contas públicas.
No entanto, segundo interlocutores de Guedes, ele vê no desenho do
Tesouro incentivo a aumento de carga tributária (por causa do bônus por
superávit), além de reclamar da falta de incentivo para venda de ativos.
Por isso, essa proposta está em segundo plano nas preferências do
ministro.
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