FGTS completa 55 anos em meio a debate sobre reposição da inflação
FONTE: Agência Brasil - Brasília
Criado em 1966, por meio de uma lei sancionada no dia 13 de setembro
daquele ano, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) completa 55
anos de existência nesta segunda-feira (13).
A data ocorre em meio a um momento em que os trabalhadores se veem às
voltas com os efeitos da alta inflacionária (5,67% no ano e 9,68% nos
últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo – IPCA), elevado índice de desemprego (14,1% de acordo com a mais
recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad Contínua) e
retração da atividade econômica nacional.
O temor de que a inflação prejudique os trabalhadores com contas
vinculadas, fazendo com que os rendimentos do fundo não acompanhem o
aumento dos preços, reacende o debate em torno da forma como os
correntistas são recompensados pelos valores poupados compulsoriamente.
Já as dificuldades econômicas motivam parlamentares a proporem mudanças
nas regras de funcionamento do FGTS. Modificações que vão da
possibilidade do beneficiário usar parte do dinheiro guardado para pagar
dívidas ativas com a União a novas modalidades de saque, passando pela
possibilidade do correntista escolher a instituição financeira e a
modalidade de aplicação financeira de sua preferência.
Remuneração
Criado para proteger o trabalhador com registro em carteira
profissional em caso de demissão sem justa causa, o FGTS é como uma
espécie de poupança obrigatória em cuja conta os empregadores depositam o
valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário. Ao longo do
tempo, tornou-se também uma importante fonte de financiamento de
projetos de infraestrutura urbana, sendo a principal fonte de recursos
para financiamento habitacional do país. Segundo a Caixa, só entre 1990 e
2020, mais de 7 milhões de unidades habitacionais foram financiadas com
recursos do fundo.
Como cada beneficiário só pode sacar os valores acumulados em situações
específicas, previstas em lei, as contas vinculadas ao fundo são
remuneradas com juros de 3% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR).
Acontece que, desde o fim de 2017, a TR está em 0%.
Ou seja, na prática, o saldo em conta vem sendo corrigido em apenas 3%
ao ano. Percentual, atualmente, inferior a indicadores inflacionários.
Para especialistas do mercado financeiro, o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA, o indicador da inflação oficial do país)
atingirá 7,27% este ano e 3,95% em 2022. Já a Selic, que é a taxa básica
de juros da economia e que, em agosto de 2020, estava em seu menor
patamar histórico, 2% ao ano, vem sendo elevada gradualmente, chegando,
atualmente, a 5,25% ao ano. A expectativa do mercado financeiro é que a
Selic atinja 7,5% ao ano no fim de 2021.
Desde 2014, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação judicial
(ADI 5090) apresentada pelo partido Solidariedade, que pede à Corte que
o dinheiro dos trabalhadores passe a ser corrigido por outro índice
“constitucionalmente idôneo”. Para a legenda, desde o fim dos anos 1990
que a TR se descolou de outros índices inflacionários, prejudicando os
correntistas. Na ação, o Solidariedade cita, como exemplo, a
discrepância observada em 2013: naquele ano, enquanto o Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC) e o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) atingiram, respectivamente, 5,56% e
5,84%, a TR foi de 0,19%.
Além da ação direta de inconstitucionalidade, há milhares de ações
individuais que buscam, na Justiça, a reparação da desvalorização do
saldo do FGTS. Porém, em setembro de 2019, o ministro Luís Roberto
Barroso, do STF, determinou a suspensão de todos os processos judiciais
que questionam o uso da TR como índice de correção monetária do fundo.
Desde então, milhões de brasileiros aguardam pela decisão final da
Corte.
Lucros
Nos últimos cinco anos, o que engordou os rendimentos do fundo,
evitando que os correntistas perdessem ainda mais dinheiro, foi a
distribuição dos lucros resultantes da gestão dos recursos. Adotada em
2017, a partilha de parte dos resultados positivos que a Caixa (que
assumiu a gestão dos recursos do FGTS em 1986, após a extinção do antigo
Banco Nacional da Habitação - BNH) obtém administrando os recursos do
fundo eleva a rentabilidade das contas vinculadas.
Este ano, por exemplo, a Caixa distribuiu, em agosto, mais de R$ 8,1
bilhões entre os trabalhadores que tinham algum saldo em suas contas em
31 de dezembro de 2020. O valor total corresponde a 96% do lucro líquido
obtido no ano passado. Segundo o banco, para cada R$ 100 que tinham em
conta no último dia do ano passado, o trabalhador ganhou R$ 1,86. Com
isto, a rentabilidade do fundo alcançou, em 2020, 4,92% - mais que o
dobro do percentual de rendimento anual da poupança e pouco mais que os
4,52% de inflação oficial (medida pelo IPCA).
Contudo, a situação pode não se repetir. Mesmo com a futura divisão dos
lucros, a remuneração total do fundo deve ficar abaixo da inflação.
“Neste momento de alta inflacionária, há, de fato, um problema”, disse o
economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), Clovis Scherer.
“É possível que a rentabilidade das contas vinculadas não alcance as
perdas com a inflação caso esta continue subindo - mesmo com a provável
distribuição, em 2022, dos resultados [lucros] deste ano”, acrescentou o
economista, alertando que, apesar da conjuntura, o FGTS precisa ser
discutido de forma abrangente, já que, ao longo do tempo, o fundo, além
de contemplar os trabalhadores, passou a ser uma das principais fontes
de financiamento de projetos públicos de infraestrutura e moradia.
“Não podemos olhar o fundo a curto prazo. A fórmula [de remuneração TR +
3% ao ano + lucros] vem funcionando e, nos últimos anos, se mostrou
eficaz, garantindo ganhos reais anuais. Esperamos que a inflação volte a
cair e, assim, o fundo recupere sua capacidade de remunerar os
correntistas”, completou Scherer.
“Seria justo corrigir as contas pela inflação oficial? Seria, pois
trata-se de preservar o patrimônio dos trabalhadores, mas o que faríamos
para garantir a saúde financeira do fundo e manter seu papel social e
econômico? Muitos correntistas são mutuários e pagam prestações de
contratos de financiamento imobiliário que também não são corrigidos
pela inflação. Para manter a sustentabilidade do fundo, se as despesas
aumentam, é necessário aumentar as receitas. E, hoje, a principal fonte
de receitas é a cobrança de juros nas operações de crédito. Ou seja, se o
índice inflacionário fosse automaticamente aplicado ao reajuste do
saldo em conta, acho que seria inevitável aplicá-lo também aos futuros
contratos de financiamento”, acrescentou o economista, alertando que a
mudança poderia descaracterizar o propósito do FGTS – da mesma forma que
alguns dos projetos que tramitam no Congresso.
“O grande risco me parece ser as iniciativas que almejam criar outras
modalidades de saque. Isso é preocupante, pois, às vezes são criadas
possibilidades que, apesar dos bons argumentos, descaracterizam o
propósito do fundo e o enfraquecem, reduzindo sua capacidade de
financiar importantes projetos habitacionais e de infraestrutura de
mobilidade urbana”, finalizou Scherer, para quem o saldo de 55 anos de
FGTS é “extremamente positivo”. “O que precisamos agora é discutir o
fundo como um todo, definindo o papel que queremos que ela cumpra no
futuro.”
Modalidades de saque
Todo trabalhador brasileiro com contrato de trabalho formal, regido
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tem direito ao FGTS, bem
como os trabalhadores domésticos, rurais, temporários, intermitentes,
avulsos, safreiros (operários rurais que trabalham apenas no período de
colheita) e atletas profissionais.
O beneficiário pode sacar os recursos disponíveis caso seja demitido
sem justa causa; se aposente; complete 70 anos de idade (mesmo que
continue trabalhando) ou fique por três anos ininterruptos fora do
regime do FGTS, inativando sua conta.
Também é possível acessar o dinheiro disponível pelo término do
contrato de trabalho por tempo determinado; rescisão contratual por
falência ou morte do empregador ou por motivo de força maior (incluindo
anulação do contrato); comprovada necessidade pessoal em caso de
desastres naturais; suspensão do trabalho avulso e caso o trabalhador
seja diagnosticado com HIV ou câncer, bem como em estágio terminal de
doenças graves. Em caso de falecimento do beneficiário, seus dependentes
também podem sacar o recurso disponível.
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