Por que as instituições não reagem à altura a Bolsonaro

 

Em 28 anos ou 7 mandatos como deputado federal, o agora presidente da República nunca teve na Câmara atuação à altura das demandas do povo brasileiro. Nunca, nessa condição, participou como protagonista de nada relevante na Casa. Como parlamentar sempre esteve abaixo do aceitável. “O que significou transformar o ordinário em ‘mito’ e dar-lhe o governo do País?”1

marcos verlaineMarcos Verlaine*

A bem da verdade, a maioria dos deputados e senadores não têm. Mas, Bolsonaro extrapolava como deputado e extrapola como presidente da República. Defendia a ditadura, a tortura e os torturadores do regime de 1964. Defendia ainda a sonegação de impostos e outras aberrações, na condição de “representante do povo”. E ainda defende tudo isso como ocupante da principal magistratura do País. É péssimo exemplo como principal mandatário.

Por que nunca sofreu sanções na Câmara? Por que nunca foi punido?

Seus pares, durante as quase 3 décadas de mandato parlamentar, o mantinham isolado, mas nunca foram além disso. Consideravam-no figura folclórica. De fato, era. Assim, ele foi ficando e chegou onde chegou. O resto dessa história todos estão cansados de saber. A democracia e suas instituições negligenciaram a perigosa atuação de Bolsonaro na Câmara.

Cara metade
Bolsonaro, sem dúvida alguma, representa de fato a parcela dos cidadãos e cidadãs que o elegeram em 2018 e, ainda, depois de 2 anos de mandato, continuam apoiando-o, mesmo diante dos absurdos que ele fala e faz cotidianamente no exercício da Presidência da República.

A maioria, porém, votou nele porque foi-lhes apresentado como a solução para a falência do Sistema Político e dos partidos brasileiros; da democracia representativa. Foram induzidos ao erro. Quem e o que fizeram isso?

Elite do atraso e escravismo
Levantamento elaborado pelo instituto Ipsos Mori (britânico) oferece algumas respostas. Segundo o estudo realizado em 20172, os “brasileiros têm a tendência de perceber um quadro pior do que a realidade ou têm pouca familiaridade com características do seu próprio país. Segundo uma pesquisa realizada em 38 países, os brasileiros só ficam à frente dos sul-africanos em um ranking que mede a percepção equivocada que as pessoas têm da realidade à sua volta.”

Todavia, só isso não é o suficiente para explicar ou tentar entender como o povo brasileiro permanece impassível e quase inerte, diante de tantas ilegalidades, atrasos, desequilíbrios e injustiças. Há 2 livros que podem contribuir com a percepção desse fenômeno social. Um é Horizonte do desejo: instabilidade, fracasso coletivo e inércia social, de Wanderley Guilherme dos Santos3. Nesse, Santos chama a atenção para a formação do povo brasileiro e as relações escravistas que delinearam sua “alma”. Ainda sobre o livro, Santos faz 2 perguntas inquietantes: “Por que em um país de tantas desigualdades como o Brasil nunca houve sequer um movimento popular capaz de promover, pelo menos, uma extensa reforma na vida nacional? Que mecanismos seriam capazes de esclarecer a manutenção desses desequilíbrios — não apenas sociais — ao longo de evidente processo de expansão econômica?”.

O outro, A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato, de Jessé Souza4, o autor traça um perfil das elites econômicas e políticas do País e analisa o “pacto dos donos do poder para perpetuar uma sociedade cruel forjada na escravidão”.

Pacto conservador e anti-povo
No Brasil, as instituições, inclusive as da democracia, não foram forjadas para defender os interesses populares. Para entender isso é preciso olhar/ver, estudar e compreender o perfil dos que compõem essas instituições — a imprensa (os proprietários e os jornalistas dos grandes meios também), o Congresso e o Poder Judiciário, em particular, o Supremo.

A imprensa, por exemplo, aceitou acriticamente a Operação Lava Jato5, que destruiu a economia brasileira em nome do combate à corrupção. E o fez em razão dos interesses dos proprietários, que são grandes empresários e tinham interresse em desmantelar o PT e a esquerda, e da formação despolitizada e moralista da imensa maioria de seus profissionais, que são oriundos da chamada classe média, e suas variações, forjadas sob profundos preconceitos sociais e de classe que é, segundo Jessé Souza, “feita de imbecil pela elite [econômica do País]”6.

Sobre a Lava Jato, entrevista reveladora ao The Intercept Brasil, da ex-assessora do ex-juiz chefe das investigações Sérgio Moro, jornalista Christianne Machiavelli não deixa dúvidas sobre o comportamento da mídia. “A imprensa ‘comprava’ tudo”, disse. “Era tanto escândalo que as pessoas não pensavam direito. As coisas eram simplesmente publicadas”7, acrescentou.

O Congresso — Câmara e Sendo — tem entre seus representantes uma maioria de ricos e endinheirados, e, também, são majoritariamente homens e brancos. Segundo o DIAP, na publicação “Radiografia do Novo Congresso” - Legislatura 2019-20238, o Poder Legislativo é assim composto:

 Câmara - política e ideologicamente - direita (210 ou 41%), centro-direita (94/18%), centro (76/15%), esquerda (73/14%) e centro-esquerda (60/12%); e

 Senado - política e ideologicamente - direita (29/36%), centro-direita (13/16%), centro (22/27%), esquerda (11/14%) e centro-esquerda (6/7%)9.

Como se vê, no plano político, há esmagadora hegemonia da direita no Legislativo federal, que defende o Estado mínimo e o projeto neoliberal, de privatização dos ativos nacionais e “reformas” de cunho privatizante dos bens públicos. É a maneira como a elite dominante se apropria do patrimônio do povo.

No plano econômico ou perfil socioeconômico, a maioria dos deputados e senadores eleitos é rica e abastada, isto é, o povo escolhe, majoritariamente, em geral, seus algozes ou inimigos de classe. Mas isto também tem explicação. As campanhas eleitorais são muito caras e isso, naturalmente, favorece a eleição dos mais ricos. E, ainda, os mais pobres e ignorantes (no sentido de ignorar, de não saber) são mais facilmente capturados pelos interesses do poder econômico10, por meio da propaganda veiculada diuturnamente pelos meios de comunicação de massa.

A Câmara dos Deputados, eleita em 2018, tem “predominância de profissionais liberais e empresários, algo como 2/3 da Casa, e 1/3 dividido entre assalariados e atividades de natureza diversa. Em termos numéricos, próximo de 160 são profissionais liberais, algo como 200 são empresários e aproximadamente 150 são assalariados e ocupantes de atividades diversas.”11

No Senado, o perfil socioeconômico não é diferente do da Câmara. Tem “predominância de empresários, 38, e de profissionais liberais,
25, seguidos de 18 outras ocupações de natureza diversa, inclusive assalariados, como servidores públicos e profissionais de educação. Considerados operários existem apenas 2: 1 metalúrgico e 1 industriário, ambos do PT.”12

O poder econômico financia e elege a maioria dos deputados e senadores. Assim, a pauta é determinada e, portanto, hegemonizada pelos interesses dos ricos e poderosos donos de grandes e rentáveis negócios no País — os empresários urbanos e rurais e os banqueiros.

O Poder Judiciário, a seu turno, conspira, com os demais poderes (Legislativo e Executivo) contra os trabalhadores e garante aos “donos do poder” que tudo se mantenha dentro da “lei e da ordem”. Isto ficou mais evidente depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. “Em seu conjunto, o Poder Judiciário atua como avalista da desigualdade e das relações vigentes de dominação — o que corresponde, aliás, à posição do direito como ‘código da violência pública organizada’, como escreveu Poulantzas.”13

Há um conjunto de decisões do STF que expressam esse entendimento, 4 são relevantes14: 1) redução de 30 para 5 anos do prazo prescricional para reclamação em relação ao deposito em favor do emprego do FGTS; 2) suspensão de Súmula do TST que tratava da ultratividade15 de cláusula de acordo e convenção coletiva; 3) reconhecimento da prevalência do negociado sobre o legislado16; e 4) autorização da terceirização na atividade-fim da empresa, revogando Súmula do TST, com requerimento para que a decisão tivesse repercussão geral. Isto significou que qualquer empresa poderia funcionar sem funcionários próprios, terceirizando toda sua força de trabalho.

Assim, as instituições não reagem à altura a Bolsonaro porque, ao fim e ao cabo, seus representantes são os mesmos que, de algum modo, se locupletam com a captura do Estado e dos recursos públicos para seus interesses e fins privados. E, embora, o atual presidente não tenha sido o da preferência dos “donos do poder”, ele aderiu e aceitou sem restrições, o receituário econômico daqueles, que é “tocado”, sem questionamentos, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Estão todos “em casa”.

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap

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