Saúde mental de empregados é essencial para produtividade na pandemia


Empresas devem adequar metas, tranquilizar trabalhador e incentivar sensação de pertencimento

Além de reduzir o risco de perdas financeiras com processos trabalhistas e previdenciários, cuidar da saúde mental dos empregados é importante para que as empresas preservem a produtividade dos trabalhadores durante a pandemia do coronavírus, em que grande parte das empresas fez às pressas a transição para o regime de homeoffice. É o que afirmaram ao JOTA especialistas em Direito do Trabalho.

Uma das recomendações dos especialistas para cuidar da saúde mental durante a crise do coronavírus é que os gestores tenham em mente que a pandemia por si só dificulta o rendimento dos trabalhadores, e evitar que a cobrança de produtividade se torne mais um castigo emocional. Assim, é importante incentivar a produtividade por meio de reconhecimento, e basear os indicadores mais na qualidade intelectual da produção do que em termos numéricos e de horas disponíveis.

O vice-presidente do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) e mestre em Prevenção de Riscos Laborais, o procurador federal Fernando Maciel, afirmou que a pandemia atinge diretamente tanto a saúde física quanto a saúde mental do trabalhador. “Ele sente uma pressão psicológica muito forte pela incerteza se vai conseguir manter o emprego. Algumas empresas estão demitindo e passando atribuições para aqueles que permanecem, que ficam sobrecarregados. E como se sentem pressionados, não podem se insurgir quanto a isso e aceitam mais demandas”, explicou.

A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a juíza Noêmia Garcia Porto, ressalta que o sofrimento mental para se manter produtivo trabalhando em homeoffice durante a pandemia atinge principalmente as mulheres. “Antes da pandemia já tínhamos uma divisão sexual profundamente desigual das tarefas domésticas e dos trabalhos de cuidado com crianças, idosos e enfermos. A divisão injusta ficou potencializada na pandemia com aulas e creches suspensas, a ajuda de trabalhadoras domésticas também suspensa”, avaliou.

A advogada trabalhista Renata Chiavegatto Barradas, do Costa Tavares Paes Advogados, alerta que na Justiça do Trabalho as empresas podem ser responsabilizadas tanto por ação ou quanto por omissão – isto é, por terem causado transtornos mentais ou agravado o quadro de saúde dos funcionários seja com dolo, intenção ou má-fé, seja por negligência ou imperícia. “Uma vez provado que a doença tem relação direta com questões ligadas ao ambiente de trabalho, a empresa é responsabilizada, normalmente com pagamento de indenizações”.

Apoio mútuo e reconhecimento
Entre as iniciativas sugeridas pelos especialistas para as empresas colocarem em prática durante a pandemia estão criar grupos de apoio mútuo, fomentar o reconhecimento das tarefas cumpridas e incentivar a solidariedade e a cooperação entre setores diferentes. Também é importante resgatar virtualmente o pertencimento na empresa e a identidade dos trabalhadores com o segmento econômico, além de disponibilizar profissionais na área de psicologia do trabalho para atendimento online gratuito individual ou em grupo.

No caso de empresas de menor porte, é possível remanejar trabalhadores se uma área da empresa teve aumento de demanda e outra sofre com a redução. Se for respeitada a qualificação de cada empregado, a iniciativa pode evitar que trabalhadores se sintam ociosos ou sobrecarregados. “Mas para que tudo seja feito com segurança contratual, nada pode ser informal. Até arranjos internos precisam ser fruto de negociação dentro da empresa em que o trabalhador seja ouvido”, afirmou a presidente da Anamatra.

Ainda, Porto ressaltou que a forte pressão psicológica durante a pandemia deve ser levada em conta pelos empregadores no momento de formular metas a fim de evitar transtornos como síndrome do pânico ou de burnout e demandas judiciais.

“Existe uma linha tênue que muitas empresas ultrapassam o tempo inteiro. Fazem da meta não uma forma de gratificar, mas de rebaixar. E metas cada vez maiores, que vão colocando os trabalhadores em processo de autoexploração com medo do desemprego, da suspensão, de não ascenderem na empresa, de serem substituídos”, disse Porto. “Se isso existia antes da pandemia, com os novos processos judiciais a sensibilidade vai estar em compreender que aquele ambiente de trabalho estava agravado pela situação de trabalho remoto, sobrecarga em casa e porque a empresa não foi capaz de mudar sua lógica de cobrança”, disse.

Outra iniciativa importante é manter os trabalhadores informados sobre a situação da empresa e o que está sendo feito para minimizar os efeitos econômicos da pandemia. “Senão o empregado começa a pensar no pior e isso gera problemas de ansiedade e estresse. É o momento de gerar tranquilidade ao trabalhador”, afirma Maciel.

Segundo o procurador, a própria transição abrupta para o modelo de trabalho remoto, sem nenhum tipo de treinamento, pode trazer problemas por si só. Para Maciel, é importante por exemplo que sejam definidos horários de trabalho, para evitar que o empregado misture atividades da casa e do trabalho e para que ele consiga descansar. “O trabalhador pode processar pedindo indenização por danos morais e direito à desconexão – não ser importunado com demandas no fim de semana ou com uma jornada excessiva”, projetou.

Para além de mitigar o risco trabalhista, Barradas ressaltou que a empresa terá retornos positivos ao criar um ambiente de trabalho saudável, onde há atenção às necessidades dos empregados e respeito a direitos trabalhistas. “É uma questão de prática de boa gestão. […] Empregados saudáveis, felizes e realizados trabalham melhor, produzem mais e tornam-se comprometidos com o propósito da empresa, com os colegas e com os superiores”, disse.

Saúde mental: terceira maior causa de afastamento
Mesmo antes da crise sanitária a saúde mental já trazia elevado impacto econômico. Transtornos mentais correspondem ao terceiro motivo mais comum de afastamento do trabalho no Brasil, segundo dados de 2019 divulgados pela Previdência Social. Do total de benefícios de auxílio-doença concedidos no ano passado, 9,6% tinham como causa transtornos mentais ou comportamentais – percentual que supera os afastamentos decorrentes de tumores e problemas no aparelho digestivo.

Em termos de número de afastamentos, os problemas de saúde mental só perdem para lesões – como traumatismo, fraturas, luxações e ferimentos – e problemas osteomusculares e nas articulações – a exemplo de artrite, artrose, osteoporose e escoliose. Respectivamente, as lesões e os problemas osteomusculares correspondem a 17,4% e 24,3% das motivações para concessão do auxílio-doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 350 milhões de pessoas sofrem de depressão no mundo e, nos países subdesenvolvidos, entre 76% e 85% dos pacientes não recebem tratamento. Tanto nos países mais ricos quanto nos mais pobres, a depressão é mais comum nas mulheres.

Ainda, a OMS estima que até 2030 a depressão se tornará a doença mais comum no mundo e a que mais vai gerar custos econômicos e sociais para os governos, tanto em relação a gastos com tratamentos quanto a perdas de produção. A doença pode prejudicar o desempenho profissional por provocar sintomas físicos como falta de atenção, perda de memória e dificuldades de planejamento e tomada de decisões.

Fonte: Jota.info

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