Empresa pode ser punida se atender Bolsonaro e empregado contrair Covid-19
31/03/2020
Empregados de atividades não essenciais que forem infectados pelo coronavírus após os patrões exigirem sua volta ao trabalho quando autoridades de saúde pediam quarentena, poderão pleitear indenização na Justiça. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pela coluna. Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro fez intensa campanha para que os brasileiros ignorassem as recomendações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde e voltassem à normalidade. Ameaça baixar um decreto presidencial para ordenar que isso aconteça. Enquanto isso, defende o que chama de "isolamento vertical", ou seja, separar do convívio social apenas idosos e pessoas mais suscetíveis à doença.
Um grupo de empresários de grandes empresas veio a público apoiar a posição do presidente. Contudo, trabalhadores informais, desempregados, assalariados e micro e pequenos empresários ainda aguardam políticas do governo para que eles, seus empregos e negócios sobrevivam à crise. "Exigir que empregados voltem a trabalhar, ou seja, saiam de situação de isolamento social determinada por autoridades municipais, estaduais e federais, pode gerar responsabilização do empregador nos âmbitos trabalhista, civil e penal." A avaliação é de Ângelo Fabiano da Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)
A opinião é a mesma da presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto: "se o empregador determinar o retorno ao trabalho, estando a pandemia e a calamidade pública oficialmente reconhecidas, e com atos normativos locais recomendando a restrição de circulação de pessoas, estará assumindo o risco e eventuais responsabilidades, por perdas e danos morais e materiais, caso o trabalhador venha a se contaminar".
O presidente da ANPT explica que apesar da Medida Provisória 927/2020 afirmar que casos Covid-19 não serão considerados doenças ocupacionais, salvo em situações com comprovação do nexo causal, os empregadores podem ser responsabilizados. O juiz pode inverter o ônus da prova, colocando no colo do empregador a necessidade de provar que seu funcionário não ficou doente com a volta ao serviço. Para evitar que a MP seja um entrave ao trabalhador, as associações vão questionar no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da medida proposta pelo governo Bolsonaro. Medias Provisórias têm 120 dias para serem aprovada pelo Congresso Nacional, caso contrário, perdem a validade.
Um dos objetivos dessa medida teria sido afastar a estabilidade acidentária, ou seja, a garantia de 12 meses sem demissão após o retorno por doença ocupacional.
Ida e volta do trabalho
"Se o trabalhador não estava doente e consegue comprovar que ficou a partir da determinação de retorno, há uma grande chance desse retorno ter sido ocasionador da doença", explica Ângelo Costa. "Mesmo o trajeto, ou seja, o uso de transporte público necessário para o deslocamento, será considerado. E a reparação não inclui apenas o trabalhador, mas também os danos que sua família vier a sofrer", completa Noemia Porto.
O trabalhador pode solicitar indenização por danos materiais, o que inclui também gastos relacionados à doença, medicamentos e tratamento e o que deixou de ganhar por ter adoecido. E danos morais por conta da perda imaterial relacionada à sua saúde.
E se, tragicamente, a pessoa vier a falecer em decorrência disso, sua família pode pleitear danos materiais e morais, o que garantiria pensão vitalícia e indenização pela perda do ente querido. Além, é claro, de responsabilização criminal, uma vez que a Justiça pode considerar que o chamado obrigatório expôs a vida ou a saúde de terceiros a perigo direto e iminente.
Denúncia
Caso os trabalhadores sejam convocados e estejam temerosos de voltar ao trabalho sem que o empregador garanta cuidados básicos para a sua saúde, mas também perder de emprego se negarem, Ângelo Costa afirma que eles podem fazer uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho. O órgão atuará nos casos de interesse coletivo, resguardando a saúde e os empregos, solicitando que o patrão demonstre as condições em que aquele trabalho está acontecendo e as medidas de prevenção.
E, eventualmente o MPT pode entrar com ações civis públicas, para resguardar a saúde e a segurança, e ações civis coletivas, para pleitear danos materiais e morais aos trabalhadores.
"Constitucionalmente falando, o Estado de Direito é de responsabilidade e de responsabilização. A imprudência poderá sim estar caracterizada", explica a juíza Noemia Porto. "O empregador tem a prerrogativa de condução do negócio. Se assim proceder assumindo o risco de agredir a saúde do trabalhador e de sua família pode responder por isso”.
Fonte: Coluna do Sakamoto/ UOL – Foto Marcos Pereira/Estadão
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