Artigo - Negociação coletiva sem a participação sindical é fraude
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Cesar Augusto de Mello
advogado militante, consultor jurídico da Central Força Sindical, CNTQ, FEQUIMFAR, SindirefeiçõesSP e SindiLuta
A recente
Reforma Trabalhista – Lei nº 13.467/207 e a MP 905, de 11 de novembro de
2019 (que poderá perder sua eficácia ou ser modificada devido ao grande
número de emendas) propõe algumas alterações legislativas, dentre elas a
possibilidade de o empregador negociar diretamente com o empregado em
algumas ocasiões.
É certo que o empregador sempre pode negociar condições de trabalho diretamente com o empregado, conforme autoriza o caput do art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho com a restrição imposta pelo art. 468 do mesmo diploma legal, a saber:
CLT. “Art. 444 – As relações contratuais de trabalho
podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo
quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos
contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das
autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput
deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta
Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os
instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de
nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas
vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência
Social.”
…..
“Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a
alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda
assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao
empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. ”
Obviamente que a possibilidade negocial do empregador está adstrita
ao contrato individual do trabalho, observado seu poder de organização e
as suas peculiaridades relacionadas a cada empregado.
Assim, pós-reformas, o legislador autorizou duas modalidades
distintas de negociação aos empregadores para se alcançar uma única
finalidade, ou seja, poderão eles negociar individual ou coletivamente
jornada de trabalho e/ou participação nos lucros e resultados.
Eis, na íntegra, os textos mencionados:
CLT. “Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”
CLT. “Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho,
estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e
seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os
intervalos para repouso e alimentação”.
MP 905/2019. Lei 10.101/2000
Art. 10…
I-…
- 10. A participação nos lucros ou nos resultados de que trata esta Lei poderá ser fixada diretamente com o empregado de que trata o parágrafo único do art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.”(NR), Questão de grande relevância é que observemos o mandamento Constitucional do art. 8º, VI, determinando ser obrigatória a participação do Sindicato na negociação coletiva de trabalho:
- Art. 8º…
….
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.
Consoante já fundamentado a participação sindical na negociação
coletiva de trabalho não é uma faculdade, mas sim uma obrigatoriedade,
um dever objetivando tutelar o trabalhador não o expondo diretamente ao
empregador no ajuste de certas condições que podem envolver conflitos de
interesses.
Diante disso é importante fazer a exata separação do que seja
negociação coletiva de trabalho e negociação individual de trabalho.
Não há função mais importante de uma entidade sindical que a denominada “função negocial”, pois
essa competência outorgada pela Constituição Federal tornam as
entidades sindicais verdadeiros entes legiferantes, com a capacidade de
criar normas que irão reger as condições de trabalho de variadas
categorias. A Carta Magna condiciona a validade das normas coletivas à
participação da entidade sindical representativa de trabalhadores no
processo negocial, então, inexiste legalmente qualquer negociação
coletiva levada a efeito sem a participação sindical.
A negociação coletiva objetiva garantir a equivalência entre os
sujeitos contrapostos no processo negocial, evitando confrontos
individualizados e dissimétricos, por isso nesse caso há a intervenção
sindical obrigatória.
A não participação sindical na negociação coletiva, anula o pactuado e
transmuda a sua natureza, que deixa de ser normativa e passa a ser
contratual, da espécie individual, sujeitando-se, por isso aos ditames
do art.468, da CLT, impondo que o ali estipulado só se aplicará aos
contratos individuais de trabalho caso suas disposições sejam mais
benéficas que as existentes em se tratando de alteração de jornada de
trabalho. Se a regra, em se tratando de jornada e PLR, é uniforme devido
às circunstâncias e o contexto, não há como tratá-la de forma
individualizada com amparo legal.
Repita-se: não poderia o empregador se utilizar do texto legal
simplesmente para excluir o sindicato de uma negociação que deveria
necessariamente ser coletiva em razão do direito negociado e do contexto
fático.
Para que, por exemplo, haja uma negociação individual de trabalho
tratando de Participação nos Lucros e Resultados é preciso que haja,
individualmente, uma aferição do índice de produtividade, bem como
programa de metas, resultados e prazos pactuados previamente, com regras
claras e objetivas, inclusive com a existência de mecanismos de
aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado com cada
um dos empregados e de forma diferenciada. Cumpridas essas formalidades
legais poderá o empregador adotar o modo individual negocial. Lembrando
ainda que a negociação individual acerca de PLR somente poderia ocorrer
com aquele empregado portador de diploma de nível superior e que
perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo
dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (Proposta da MP 905
modificar o § 10, do inciso I, do art. 10, da Lei 10.101/2000
supracitado)
E mais, a adoção de uma jornada 12 X 36 poderá ocorrer por negociação
individual se a mesma for executada por um empregado de determinado
setor, ao passo que se essa mesma jornada for implementada de maneira
uniforme para todos ou parte dos (as) trabalhadores (as) de um setor há a
necessária participação da entidade sindical na negociação por não se
tratar de uma condição individualizada, mas que envolve um coletivo de
trabalhadores.
Em contrapartida é vedado ao empregador, em se tratando de alteração
de jornada de trabalho e participação nos lucros e resultados, adotar
regras gerais e coletivas para todos os empregados ou para um grupo de
empregados, de modo uniforme, sem a participação da correspondente
entidade sindical profissional na negociação, eis que eventualmente
assim sendo poderia ocorrer o desvirtuando na aplicação da Lei apenas e
tão somente para favorecimento diante da assimetria entre as partes no
sentido de impor condições de forma unilateral numa relação de
desequilíbrio inconteste. Essa prática é vedada pelo art. 9º da CLT que
assim dispõe:
“CLT. Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados
com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos
preceitos contidos na presente Consolidação”.
Tecidas essas sucintas considerações, vê-se, dependendo do
procedimento adotado e das implicações e consequências do ato, que não
se pode excluir a possibilidade de eventual criminalização da conduta,
com fundamento no art. 203 do Código Penal.
“Frustração de Direito Assegurado por Lei Trabalhista
Art. 203, do Código Penal
“Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:
Pena – detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”
O texto da reforma e outros propostos no sentido de modificar
direitos, elaborados de afogadilho, sem um debate mínimo e necessário só
levaram a mais insegurança jurídica e à possibilidade de
questionamentos judiciais que poderão fazer surgir enormes passivos
trabalhistas.
Não se pode deslembrar que as reformas advindas devem, atendendo ao mandamento do “caput” do
art. 7º da Constituição Federal, proporcionar condições que visem a
melhoria da condição social dos trabalhadores urbanos e rurais.
Tem-se, assim, que em nenhum momento os textos legais modificados
pela reforma trabalhista e pela MP 905, autorizaram a utilização de uma
condição ajustada coletivamente e unilateralmente pelo empregador ser
adotada de forma individual tão somente para burlar a simetria que o
legislador constitucional quis resguardar ao exigir a participação das
entidades sindicais nas negociações coletivas de trabalho.
Cesar Augusto de Mello
advogado militante, consultor jurídico da Central Força Sindical, CNTQ, FEQUIMFAR, SindirefeiçõesSP e SindiLuta
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