Operação "pente-fino? de Bolsonaro ameaça direitos da parcela mais carente da sociedade
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A chamada "operação pente-fino" do INSS, que entrou em vigor em 12 de julho, foi instituída pela Medida Provisória 871, convertida na Lei n° 13.846/ 2019, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 12 de julho. Na prática, ela autoriza a "revisão" de até 3 milhões de benefícios da seguridade social, como auxílio-doença, pensão por morte, aposentadoria rural, por invalidez e benefício de prestação continuada (BPC) nos próximos 18 meses. Segundo o governo, o objetivo da medida é "combater fraudes" e "economizar" até R$ 9,8 bilhões. O "pente-fino" tem previsão de se estender de 2019 a 2020, mas pode ser prorrogado até 2022.
A "operação" não é uma novidade. Todos os governos adotam medidas para combater irregularidades no sistema, o que é uma obrigação dos órgãos públicos. O problema é que esse tipo de "mutirão" investe indiscriminadamente contra benefícios que, muitas vezes, são direitos dos cidadãos, mas que acabam sendo retirados.
Segundo o advogado Ismael Alves Freitas, das áreas trabalhista e previdenciária, esse tipo de situação se agravou a partir do governo Michel Temer. "Já havia esse tipo de mutirão nos governos anteriores, mas no governo Temer e no atual isso se intensificou muito. O Temer já fez isso para supostamente ir atrás de fraude, mas cassaram benefícios sem prova nenhuma de fraude. No caso de clientes meus, teve caso até de cassar benefício autorizado por sentença transitada em julgado. Onde está a fraude?", questiona.
Para ele, medidas como a adotada pela MP 871, além de promoverem cassações de benefícios sem justificativa - principalmente de pessoas carentes que dependem deles para viver -, parecem ser muitas vezes injustificadas também do ponto de vista formal. Isso porque a Lei 8213/1991 já prevê a criminalização das fraudes contra o INSS.
"Qualquer benefício concedido fora dos parâmetros dessa lei já é considerado fraudulento. Mas eles fazem isso para dar esse estardalhaço todo, dar mídia e justificar a cassação arbitrária de quem tem direito", diz Freitas. "O que acho que esse governo está fazendo é criar leis para justificar aos seus eleitores as arbitrariedades que sempre aconteceram."
Para ele, "a mídia corporativa fica dizendo que as medidas atuais têm objetivo de economizar recursos dos cofres públicos, mas é economizar entre aspas, porque depois as pessoas entram na Justiça e tudo o que economizaram da Previdência recai no Judiciário".
Dalton Cusciano, analista em ciência e tecnologia da Fundacentro e mestre em Direito e Desenvolvimento pela Fundação Getúlio Vargas (São Paulo), observa que, ao realizar a "operação pente-fino", o INSS apenas cumpre o que foi aprovado pelo Congresso Nacional. "Todavia, há de se ter o devido zelo e cautela nessa revisão, de modo a respeitar os direitos adquiridos e os limites impostos pelo ordenamento jurídico".
Para Cusciano, a revisão dos benefícios "por certo" terá como efeito perverso o cancelamento indevido de benefícios. Disso decorrerá recursos administrativos e também a judicialização dos benefícios cancelados, "gerando gastos que devem ser calculados". Esses gastos "devem estar incluídos no custo da revisão e devem ser deduzidos do total de economia a ser gerado, sob o ponto de vista econÒmico". Cabe ao governo, diz, zelar e ter cautela nessa revisão, "para que o menor número possível de benefícios cessados sejam revertidos no futuro, "criando eventualmente revisões às cegas por peritos diferentes".
Para Natal Leo, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados da UGT, com o "pente-fino", o governo pretende "fazer uma limpeza no que puder" e "qualquer errinho" vai acarretar a perda do benefício. "Precisa se preparar. Quem não fez a perícia, o laudo, precisa se apressar", aconselha.
Casos concretos
Freitas cita dois casos em que clientes seus passaram por situações "absurdas", segundo ele.
Caso 1 - Um homem tem uma doença degenerativa rara. Ele recebeu o BPC de 2000 a 2006. Porém, num pequeno período de alguns meses em que seu pai recebeu horas extras, a renda familiar superou um quarto do salário mínimo. Pelas regras, a renda familiar per capita precisa ser de um quarto do salário mínimo para ter o direito.
Por conta disso, seu benefício foi cassado. Mas não só isso. Pelo curto período em que a renda familiar ultrapassou o limite, o INSS presumiu que, de 2000 a 2006, o beneficiário teria recebido indevidamente, e ele passou a ser cobrado pelo que havia recebido em todo o período de 2000 a 2006, o que somava RS$ 24.473,00. O advogado entrou na Justiça, para restabelecer o benefício e reconhecer judicialmente que ele não devia nada. O benefício voltou a ser pago. Mas em 2016 foi novamente cassado num período de "mutirão" do governo Temer. Para reaver o pagamento, entrou com pedido de novo laudo e com novo processo judicial, ainda em andamento.
Caso 2 - Outro exemplo é de um homem com grave problema na coluna, tendo passado por cinco cirurgias. Uma juíza negou-lhe a aposentadoria por invalidez dizendo que ele era muito jovem, embora um laudo pericial comprovasse que o beneficiário estava total e definitivamente incapacitado para o trabalho. "A lei não diz que quem é jovem não pode se aposentar por invalidez", observa Freitas.
O advogado apelou. Com o recurso, obteve vitória e o beneficiário passou a receber a aposentadoria. Porém, num "pente-fino" pelo governo Temer, conta o advogado, no final de 2016 o benefício foi suspenso, mesmo com sentença transitada em julgado. O advogado entrou com outra ação e conseguiu uma liminar em favor do segurado, que vigora até sair uma sentença definitiva.
"São esses absurdos que acontecem quando fazem essas revisões", diz Freitas. "Passam até por cima de sentença transitada em julgado." Em sua avaliação, o "pente-fino" ameaça benefícios de pessoas pobres e miseráveis.
"Indícios de irregularidade"
O INSS afirma que vai analisar os processos administrativos que "apresentem indícios de irregularidade e potencial risco de realização de gastos indevidos na concessão de benefícios". Diz também que, com o programa, pretende "zerar o estoque de benefícios pendentes de análise, além de intensificar o combate às fraudes".
O órgão informa que, no primeiro semestre, realizou 806 mil notificações a segurados que recebem benefícios "com algum tipo de inconsistência" e que, nas próximas semanas, novas notificações serão encaminhadas preferencialmente pela rede bancária, ou, caso necessário, por carta.
A chamada "operação pente-fino" do INSS, que entrou em vigor em 12 de julho, foi instituída pela Medida Provisória 871, convertida na Lei n° 13.846/ 2019, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 12 de julho. Na prática, ela autoriza a "revisão" de até 3 milhões de benefícios da seguridade social, como auxílio-doença, pensão por morte, aposentadoria rural, por invalidez e benefício de prestação continuada (BPC) nos próximos 18 meses. Segundo o governo, o objetivo da medida é "combater fraudes" e "economizar" até R$ 9,8 bilhões. O "pente-fino" tem previsão de se estender de 2019 a 2020, mas pode ser prorrogado até 2022.
A "operação" não é uma novidade. Todos os governos adotam medidas para combater irregularidades no sistema, o que é uma obrigação dos órgãos públicos. O problema é que esse tipo de "mutirão" investe indiscriminadamente contra benefícios que, muitas vezes, são direitos dos cidadãos, mas que acabam sendo retirados.
Segundo o advogado Ismael Alves Freitas, das áreas trabalhista e previdenciária, esse tipo de situação se agravou a partir do governo Michel Temer. "Já havia esse tipo de mutirão nos governos anteriores, mas no governo Temer e no atual isso se intensificou muito. O Temer já fez isso para supostamente ir atrás de fraude, mas cassaram benefícios sem prova nenhuma de fraude. No caso de clientes meus, teve caso até de cassar benefício autorizado por sentença transitada em julgado. Onde está a fraude?", questiona.
Para ele, medidas como a adotada pela MP 871, além de promoverem cassações de benefícios sem justificativa - principalmente de pessoas carentes que dependem deles para viver -, parecem ser muitas vezes injustificadas também do ponto de vista formal. Isso porque a Lei 8213/1991 já prevê a criminalização das fraudes contra o INSS.
"Qualquer benefício concedido fora dos parâmetros dessa lei já é considerado fraudulento. Mas eles fazem isso para dar esse estardalhaço todo, dar mídia e justificar a cassação arbitrária de quem tem direito", diz Freitas. "O que acho que esse governo está fazendo é criar leis para justificar aos seus eleitores as arbitrariedades que sempre aconteceram."
Para ele, "a mídia corporativa fica dizendo que as medidas atuais têm objetivo de economizar recursos dos cofres públicos, mas é economizar entre aspas, porque depois as pessoas entram na Justiça e tudo o que economizaram da Previdência recai no Judiciário".
Dalton Cusciano, analista em ciência e tecnologia da Fundacentro e mestre em Direito e Desenvolvimento pela Fundação Getúlio Vargas (São Paulo), observa que, ao realizar a "operação pente-fino", o INSS apenas cumpre o que foi aprovado pelo Congresso Nacional. "Todavia, há de se ter o devido zelo e cautela nessa revisão, de modo a respeitar os direitos adquiridos e os limites impostos pelo ordenamento jurídico".
Para Cusciano, a revisão dos benefícios "por certo" terá como efeito perverso o cancelamento indevido de benefícios. Disso decorrerá recursos administrativos e também a judicialização dos benefícios cancelados, "gerando gastos que devem ser calculados". Esses gastos "devem estar incluídos no custo da revisão e devem ser deduzidos do total de economia a ser gerado, sob o ponto de vista econÒmico". Cabe ao governo, diz, zelar e ter cautela nessa revisão, "para que o menor número possível de benefícios cessados sejam revertidos no futuro, "criando eventualmente revisões às cegas por peritos diferentes".
Para Natal Leo, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados da UGT, com o "pente-fino", o governo pretende "fazer uma limpeza no que puder" e "qualquer errinho" vai acarretar a perda do benefício. "Precisa se preparar. Quem não fez a perícia, o laudo, precisa se apressar", aconselha.
Casos concretos
Freitas cita dois casos em que clientes seus passaram por situações "absurdas", segundo ele.
Caso 1 - Um homem tem uma doença degenerativa rara. Ele recebeu o BPC de 2000 a 2006. Porém, num pequeno período de alguns meses em que seu pai recebeu horas extras, a renda familiar superou um quarto do salário mínimo. Pelas regras, a renda familiar per capita precisa ser de um quarto do salário mínimo para ter o direito.
Por conta disso, seu benefício foi cassado. Mas não só isso. Pelo curto período em que a renda familiar ultrapassou o limite, o INSS presumiu que, de 2000 a 2006, o beneficiário teria recebido indevidamente, e ele passou a ser cobrado pelo que havia recebido em todo o período de 2000 a 2006, o que somava RS$ 24.473,00. O advogado entrou na Justiça, para restabelecer o benefício e reconhecer judicialmente que ele não devia nada. O benefício voltou a ser pago. Mas em 2016 foi novamente cassado num período de "mutirão" do governo Temer. Para reaver o pagamento, entrou com pedido de novo laudo e com novo processo judicial, ainda em andamento.
Caso 2 - Outro exemplo é de um homem com grave problema na coluna, tendo passado por cinco cirurgias. Uma juíza negou-lhe a aposentadoria por invalidez dizendo que ele era muito jovem, embora um laudo pericial comprovasse que o beneficiário estava total e definitivamente incapacitado para o trabalho. "A lei não diz que quem é jovem não pode se aposentar por invalidez", observa Freitas.
O advogado apelou. Com o recurso, obteve vitória e o beneficiário passou a receber a aposentadoria. Porém, num "pente-fino" pelo governo Temer, conta o advogado, no final de 2016 o benefício foi suspenso, mesmo com sentença transitada em julgado. O advogado entrou com outra ação e conseguiu uma liminar em favor do segurado, que vigora até sair uma sentença definitiva.
"São esses absurdos que acontecem quando fazem essas revisões", diz Freitas. "Passam até por cima de sentença transitada em julgado." Em sua avaliação, o "pente-fino" ameaça benefícios de pessoas pobres e miseráveis.
"Indícios de irregularidade"
O INSS afirma que vai analisar os processos administrativos que "apresentem indícios de irregularidade e potencial risco de realização de gastos indevidos na concessão de benefícios". Diz também que, com o programa, pretende "zerar o estoque de benefícios pendentes de análise, além de intensificar o combate às fraudes".
O órgão informa que, no primeiro semestre, realizou 806 mil notificações a segurados que recebem benefícios "com algum tipo de inconsistência" e que, nas próximas semanas, novas notificações serão encaminhadas preferencialmente pela rede bancária, ou, caso necessário, por carta.
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