As redes tribais e as notícias falsas venceram a Justiça Eleitoral
Há exatamente um ano, o JOTA publicou um texto com uma pergunta aparentemente retórica cuja resposta já nos era evidente e que os fatos apenas escancararam: "TSE consegue fiscalizar políticos de mil faces nas redes?".
A aposta - já segura naquele momento - era de que as redes sociais com todas as suas engrenagens (robôs, impulsionamento, fake news, velocidade e invisibilidade de rastros) driblariam a Justiça Eleitoral e transformariam a campanha eleitoral numa disputa cujas regras seriam de difícil aplicação.
Havia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um misto de desconhecimento dos riscos potenciais e falta de informação segura para lidar com os novos instrumentos. As informações que a Justiça Eleitoral recebia vinham mais diretamente de Google e Facebook, ambos interessados nas novas possibilidades de negócios abertas pela nova lei eleitoral, que, por exemplo, abriu as portas para anúncios das campanhas nas redes.
Questionado depois da publicação do artigo, um membro do TSE nos disse que o WhatsApp não era um problema para as eleições deste ano. Afinal, já era possível fazer campanha por SMS nas outras eleições e não houve contratempos ou manipulações por causa disso.
Outro integrante simplesmente não sabia como era feito um impulsionamento de conteúdo pelas redes sociais. Nem tinha ideia do que fazer se um eleitor - empresário, por exemplo - impulsionasse por conta própria material a favor de um candidato. Como fiscalizar? Como provar? Como controlar?
E o então presidente do TSE, ministro Luiz Fux, avocou para o tribunal a tarefa de combater as fake news. Com a confiança de quem não sabia exatamente do que estava falando, aventou o uso da bomba atômica - a anulação das eleições - como mecanismo para combater as notícias falsas. Uma das lições do caso Dilma Rousseff é que não podemos contar com o TSE para isso.
Uma promessa vazia que, pela óbvia falta de resultados, só poderia terminar como terminou - levantando dúvidas sobre a efetividade da Justiça Eleitoral. O problema não era impedir a existência das fake news. Algo impossível. Mas o fundamental era regular o uso das redes sociais pelas campanhas para evitar os efeitos da disseminação de mentiras.
Quem acreditou em Fux pergunta-se hoje por que o TSE não foi capaz de impedir a disseminação de notícias falsas por diversas campanhas. Quem acredita que a Justiça Eleitoral é capaz, com seus parcos instrumentos, de proteger o eleitor de fake news, por exemplo, deveria repensar sua fé.
O que sobra deste processo?
Primeiro, o discurso de Fernando Haddad, candidato do PT, que já levou ao TSE o pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro, do PSL. O resultado das urnas, projetam as pesquisas, será contundente, mas as suspeitas levantadas sobre manipulação do processo eleitoral servirá de discurso aos anti-Bolsonaro. E podem dar ensejo a um terceiro turno das eleições, em tribunais que podem ser vistos como corresponsável pelo problema.
Apenas a título de lembrança, quando encerrada a contagem dos votos em 2014, o candidato derrotado Aécio Neves acionou o TSE, pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer. O então presidente do tribunal, Dias Toffoli, levantou a voz para dizer que não haveria terceiro turno. Mas houve, inclusive com seu beneplácito. O tribunal manteve sobre o governo Dilma Rousseff uma ameaça permanente. E há quem agora defenda - ou recomende - o mesmo estratagema: que o processo contra Bolsonaro por se beneficiar de um ainda não comprovado envio em massa de mensagens de WhatsApp de forma ilegal funcione como instrumento de pressão para que ande na linha. Seria uma espécie de realpolitik judicial - dar ao TSE os seus dias de "centrão".
Depois, restará a confissão da atual presidente do TSE, ministra Rosa Weber, de que a Justiça Eleitoral ainda está aprendendo a lidar com as fake news. E, portanto, com as redes sociais, robôs, etc. "Se tiverem a solução para que se evitem ou se coíbam fake news, por favor nos apresentem, nós ainda não descobrimos o milagre", ela disse.
Enquanto o ministro do tribunal, Luís Felipe Salomão mandava tirar do ar propagandas de rádio e TV razoáveis ou irrazoáveis, como a que relacionava Bolsonaro e tortura (usando frases realmente ditas no passado a favor da tortura e tratando como herói nacional um militar responsável por torturas e mortes na ditadura), a realidade acontecia ao largo dos gabinetes do TSE.
Se o tribunal não sabia como lidar com isso, por que permaneceu inerte? Por que assistiu passivamente à tramitação da legislação no Congresso que permitia o impulsionamento de campanha nas redes sociais sem alertar para os problemas potenciais? Ou por que não fechou as brechas via resolução?
Perguntas como estas servem como provocação para o futuro, para rediscussão das campanhas eleitorais, aperfeiçoamento do sistema e debate a frio do uso das redes sociais no processo. As regras aprovadas pelo Congresso ajudaram a criar o cenário para estas eleições de apenas 45 dias de campanha em que as mentiras espalhadas pela internet têm, às vésperas do segundo turno, mais importância que as propostas ainda desconhecidas do candidato que sairá vencedor.
Também ajudaram a compor o quadro a disseminação do WhatsApp como ferramenta ubíqua de comunicação entre os brasileiros, em parte permitida pelos planos de dados que limitam a web, mas dão acesso ilimitado a mensagens e redes. Dentro dos grupos do WhatsApp, seja da família ou da escola, vale menos a pequena bio do autor, seus títulos e validações profissionais, e mais seus laços microssociais (tio, irmão, colega) em um ambiente que dá um bônus para quem fala mais alto, com mais veemência. Nessas "redes tribais", os moderados tendem a se manifestar no início, mas depois a desistir em nome dos laços de intimidade ou sob o peso da contundência semiprogramada dos memes e das notícias falsas. Nesse contexto, as razões políticas para o resultado que se avizinha são mais decisivas do que mensagens em massa - via caixa 2 ou caixa paralelo.
Sobre estes últimos aspectos, trataremos em um próximo artigo, já com o novo presidente eleito. Uma última observação é o momento em que todas estas discussões estão sendo feitas. Nos Estados Unidos, o choque veio no momento da apuração, da qual Donald Trump emergiu como o vencedor improvável. Aqui, a surpresa é notícia velha, já prefigurada nas pesquisas e no espanto cada vez mais visível das autoridades eleitorais.
Fonte: UGT -
A aposta - já segura naquele momento - era de que as redes sociais com todas as suas engrenagens (robôs, impulsionamento, fake news, velocidade e invisibilidade de rastros) driblariam a Justiça Eleitoral e transformariam a campanha eleitoral numa disputa cujas regras seriam de difícil aplicação.
Havia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um misto de desconhecimento dos riscos potenciais e falta de informação segura para lidar com os novos instrumentos. As informações que a Justiça Eleitoral recebia vinham mais diretamente de Google e Facebook, ambos interessados nas novas possibilidades de negócios abertas pela nova lei eleitoral, que, por exemplo, abriu as portas para anúncios das campanhas nas redes.
Questionado depois da publicação do artigo, um membro do TSE nos disse que o WhatsApp não era um problema para as eleições deste ano. Afinal, já era possível fazer campanha por SMS nas outras eleições e não houve contratempos ou manipulações por causa disso.
Outro integrante simplesmente não sabia como era feito um impulsionamento de conteúdo pelas redes sociais. Nem tinha ideia do que fazer se um eleitor - empresário, por exemplo - impulsionasse por conta própria material a favor de um candidato. Como fiscalizar? Como provar? Como controlar?
E o então presidente do TSE, ministro Luiz Fux, avocou para o tribunal a tarefa de combater as fake news. Com a confiança de quem não sabia exatamente do que estava falando, aventou o uso da bomba atômica - a anulação das eleições - como mecanismo para combater as notícias falsas. Uma das lições do caso Dilma Rousseff é que não podemos contar com o TSE para isso.
Uma promessa vazia que, pela óbvia falta de resultados, só poderia terminar como terminou - levantando dúvidas sobre a efetividade da Justiça Eleitoral. O problema não era impedir a existência das fake news. Algo impossível. Mas o fundamental era regular o uso das redes sociais pelas campanhas para evitar os efeitos da disseminação de mentiras.
Quem acreditou em Fux pergunta-se hoje por que o TSE não foi capaz de impedir a disseminação de notícias falsas por diversas campanhas. Quem acredita que a Justiça Eleitoral é capaz, com seus parcos instrumentos, de proteger o eleitor de fake news, por exemplo, deveria repensar sua fé.
O que sobra deste processo?
Primeiro, o discurso de Fernando Haddad, candidato do PT, que já levou ao TSE o pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro, do PSL. O resultado das urnas, projetam as pesquisas, será contundente, mas as suspeitas levantadas sobre manipulação do processo eleitoral servirá de discurso aos anti-Bolsonaro. E podem dar ensejo a um terceiro turno das eleições, em tribunais que podem ser vistos como corresponsável pelo problema.
Apenas a título de lembrança, quando encerrada a contagem dos votos em 2014, o candidato derrotado Aécio Neves acionou o TSE, pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer. O então presidente do tribunal, Dias Toffoli, levantou a voz para dizer que não haveria terceiro turno. Mas houve, inclusive com seu beneplácito. O tribunal manteve sobre o governo Dilma Rousseff uma ameaça permanente. E há quem agora defenda - ou recomende - o mesmo estratagema: que o processo contra Bolsonaro por se beneficiar de um ainda não comprovado envio em massa de mensagens de WhatsApp de forma ilegal funcione como instrumento de pressão para que ande na linha. Seria uma espécie de realpolitik judicial - dar ao TSE os seus dias de "centrão".
Depois, restará a confissão da atual presidente do TSE, ministra Rosa Weber, de que a Justiça Eleitoral ainda está aprendendo a lidar com as fake news. E, portanto, com as redes sociais, robôs, etc. "Se tiverem a solução para que se evitem ou se coíbam fake news, por favor nos apresentem, nós ainda não descobrimos o milagre", ela disse.
Enquanto o ministro do tribunal, Luís Felipe Salomão mandava tirar do ar propagandas de rádio e TV razoáveis ou irrazoáveis, como a que relacionava Bolsonaro e tortura (usando frases realmente ditas no passado a favor da tortura e tratando como herói nacional um militar responsável por torturas e mortes na ditadura), a realidade acontecia ao largo dos gabinetes do TSE.
Se o tribunal não sabia como lidar com isso, por que permaneceu inerte? Por que assistiu passivamente à tramitação da legislação no Congresso que permitia o impulsionamento de campanha nas redes sociais sem alertar para os problemas potenciais? Ou por que não fechou as brechas via resolução?
Perguntas como estas servem como provocação para o futuro, para rediscussão das campanhas eleitorais, aperfeiçoamento do sistema e debate a frio do uso das redes sociais no processo. As regras aprovadas pelo Congresso ajudaram a criar o cenário para estas eleições de apenas 45 dias de campanha em que as mentiras espalhadas pela internet têm, às vésperas do segundo turno, mais importância que as propostas ainda desconhecidas do candidato que sairá vencedor.
Também ajudaram a compor o quadro a disseminação do WhatsApp como ferramenta ubíqua de comunicação entre os brasileiros, em parte permitida pelos planos de dados que limitam a web, mas dão acesso ilimitado a mensagens e redes. Dentro dos grupos do WhatsApp, seja da família ou da escola, vale menos a pequena bio do autor, seus títulos e validações profissionais, e mais seus laços microssociais (tio, irmão, colega) em um ambiente que dá um bônus para quem fala mais alto, com mais veemência. Nessas "redes tribais", os moderados tendem a se manifestar no início, mas depois a desistir em nome dos laços de intimidade ou sob o peso da contundência semiprogramada dos memes e das notícias falsas. Nesse contexto, as razões políticas para o resultado que se avizinha são mais decisivas do que mensagens em massa - via caixa 2 ou caixa paralelo.
Sobre estes últimos aspectos, trataremos em um próximo artigo, já com o novo presidente eleito. Uma última observação é o momento em que todas estas discussões estão sendo feitas. Nos Estados Unidos, o choque veio no momento da apuração, da qual Donald Trump emergiu como o vencedor improvável. Aqui, a surpresa é notícia velha, já prefigurada nas pesquisas e no espanto cada vez mais visível das autoridades eleitorais.
Fonte: UGT -
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