Até que ponto confiar na aplicação da nova lei trabalhista
As indefinições sobre a aplicação da lei 13.437/2017 têm deixado os empresários brasileiros apreensivos quanto aos resultados práticos que a reforma trabalhista trará para a segurança jurídica de seus negócios.
Quando faltava pouco mais de um mês para que a legislação entrasse em vigor, um encontro em Brasília reuniu cerca de 600 juízes, procuradores e auditores fiscais do Trabalho para uma avaliação do texto final. Foram dois dias de debate, do qual saíram 125 enunciados com sugestões de interpretação da nova lei.
O material com a íntegra das propostas aprovadas no encontro, promovido pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), foi divulgado em 19 de outubro do ano passado. Nele, a própria literalidade da lei é questionada, e pontos como a cobrança de honorários de sucumbência, formalização da jornada 12×36 via acordo judicial e terceirização são os mais atacados.
Segundo a Anamatra, há incompatibilidade das normas da reforma trabalhista com as convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com a Constituição Federal. Em 23 de janeiro, com a lei valendo há mais de dois meses, a associação também ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos que impõem limites às indenizações por dano moral.
"É natural que essa adaptação seja truncada e gere discordâncias. Mas a reforma está entrando na Justiça do Trabalho de forma muito positiva. Os juízes estão aplicando as normas até com mais veemência do que imaginávamos. Isso tem feito com que os advogados pensem duas vezes antes de ajuizar qualquer ação aventureira, porque agora os riscos de seus clientes terem de pagar é real", avalia o advogado Marcelo Scalzilli, sócio do escritório Scalzilli Althaus.
Desde que a reforma entrou em vigor, o número de ações trabalhistas no Brasil caiu 50%, de acordo com levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST). De um total mensal que costumava passar de 200 mil em todo o país, os processos recebidos em primeira instância despencaram para 82,4 mil em dezembro.
Para Marcelo Scalzilli, a resistência da Anamatra não encontra eco entre a maioria dos juristas brasileiros. Ele acredita que esse tipo de movimento se pulverizará quando os resultados de emprego e renda começarem a aparecer mais para a população. "Aos poucos vai se criando o entendimento de que essas mudanças são fundamentais para a prosperidade econômica do país. Não há como estimular a produção sem dar segurança jurídica ao empregador", pondera, projetando um prazo de cinco anos para que o real impacto das mudanças seja percebido nas atividades do Judiciário e nas relações trabalhistas brasileiras.
O próprio TST tem sido um dos maiores promotores das vantagens da reforma para a modernização das relações de trabalho. Os ministros - não apenas através de decisões, mas também de ações institucionais - têm defendido a aplicação da lei na íntegra. "Essa reforma era necessária e fundamental para dar segurança jurídica para todos os segmentos", disse o presidente da Corte, Ives Gandra Martins Filho, durante seminário realizado em Brasília em dezembro. No encontro, afirmou ainda ter "muita esperança" de que a lei trará uma "redução substancial do desemprego" e "o aumento dos investimentos no país".
O Instituto Brasileiro de Ensino e Cultura (IBEC) - composto por integrantes do Judiciário, advogados e professores - é outro que está engajado na promoção da reforma. De fevereiro a junho, a entidade realizará 30 encontros em diversas cidades brasileiras para esclarecer pontos da nova lei e tratar das perspectivas políticas, sociológicas e econômicas da modernização. Entre os conferencistas estão o ex-ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, o filósofo Denis Rosenfield e o desembargador Bento Herculano Duarte Neto, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (RN) e presidente do IBEC.
"Queremos colaborar para que haja uma uniformização do entendimento sobre a reforma trabalhista. A lei, concorde-se ou não com ela, é feita para ser cumprida. Com a exposição de alguns movimentos contrários, passou-se a ideia de que os juízes não iriam cumpri-la, e isso não corresponde à realidade", analisa o desembargador. "Isso não impede que se discuta a constitucionalidade de alguns pontos, o que foi feito pela própria Procuradoria-Geral da República em relação à justiça gratuita", exemplifica.
A flexibilização das negociações e a expectativa da geração de empregos são citadas por Bento Herculano como os maiores avanços da modernização da lei. O desafio, defende o desembargador, é agregar desenvolvimento social e econômico às relações de trabalho, com responsabilidade. "O juiz não é apenas a boca da lei, ele tem a obrigação de interpretá-la. A reforma não pode ser utilizada pelos patrões como instrumento para a precarização das relações de trabalho. Isso, além de prejudicar o trabalhador, causaria uma reação em cadeia, com a diminuição do consumo e da arrecadação", observa.
Novas notícias surgirão nos próximos meses sobre a aplicação e a validade do texto aprovado em novembro passado. No início de fevereiro, uma comissão especial do TST começou a debater a situação das ações judiciais e contratos anteriores à reforma. Um definição deve sair apenas em maio.
Também com a retomada dos trabalhos legislativos, os parlamentares devem analisar a MP 808/2017, que promove alterações na reforma em trechos como o do trabalho intermitente e autônomo. Ao todo, foram apresentadas 967 emendas à MP, editada pelo presidente Michel Temer para cumprir acordo com sua base e evitar que eventuais mudanças feitas pelo Senado atrasassem a aprovação do texto à época.
Sindicatos se mobilizam para contornar perdas do imposto sindical
Outro ponto da reforma que - como previsto - não é bem digerido por entidades representativas de trabalhadores e empresas é o fim da obrigatoriedade do pagamento do imposto sindical. Pelo menos uma confederação patronal e seis sindicatos trabalhistas já entraram com ação direta de inconstitucionalidade no STF contra a medida. Até mesmo entidades que apoiaram a mudança - como a Confederação Nacional da Saúde (CNS) - já se posicionaram publicamente pela volta da contribuição caso o impacto em seus caixas seja maior do que o esperado.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima que as entidades perderão, em média, 70% de suas receitas com a mudança, que está em vigor desde o início do ano. Em 2017, R$ 3 bilhões referentes ao tributo foram repassados a centrais, confederações, federações e sindicatos patronais e laborais, além de R$ 587 milhões do Ministério do Trabalho para o pagamento de benefícios como o seguro-desemprego. Se a projeção do Dieese se confirmar, a arrecadação deve cair para R$ 900 milhões.
"O que foi feito pelo Congresso foi um crime", considera Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), uma das maiores centrais sindicais do país. Segundo ele, o ideal seria oferecer uma oportunidade de transição aos sindicatos, a exemplo da cláusula de barreiras dos partidos, aprovada em 1995 para ter validade nas eleições de 2006. "O que interessa aos políticos é tratado de um jeito, o que interessa à população, de outro. É um desserviço muito grande às conquistas da Constituição de 88", avalia.
Já as organizações patronais que se prepararam para o baque estão apostando em estratégias de mercado e no ajuste das contas para diversificar as fontes de receita. O trabalho de reestruturação do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) iniciou há mais de sete meses. Desde então, 46 dos 96 funcionários foram cortados e o departamento de contabilidade foi terceirizado. A revista impressa, por sua vez, passou a existir apenas em versão digital, com o acesso aos conteúdos do site passando a ser pagos, assim como os serviços de assessoria jurídica. A entidade realiza também uma campanha para a filiação de novas empresas. Nos últimos meses, o Sinduscon-SP dobrou o número de associados, passando de mil para cerca de dois mil membros, num universo de 13 mil representados no setor.
Quando faltava pouco mais de um mês para que a legislação entrasse em vigor, um encontro em Brasília reuniu cerca de 600 juízes, procuradores e auditores fiscais do Trabalho para uma avaliação do texto final. Foram dois dias de debate, do qual saíram 125 enunciados com sugestões de interpretação da nova lei.
O material com a íntegra das propostas aprovadas no encontro, promovido pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), foi divulgado em 19 de outubro do ano passado. Nele, a própria literalidade da lei é questionada, e pontos como a cobrança de honorários de sucumbência, formalização da jornada 12×36 via acordo judicial e terceirização são os mais atacados.
Segundo a Anamatra, há incompatibilidade das normas da reforma trabalhista com as convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com a Constituição Federal. Em 23 de janeiro, com a lei valendo há mais de dois meses, a associação também ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos que impõem limites às indenizações por dano moral.
"É natural que essa adaptação seja truncada e gere discordâncias. Mas a reforma está entrando na Justiça do Trabalho de forma muito positiva. Os juízes estão aplicando as normas até com mais veemência do que imaginávamos. Isso tem feito com que os advogados pensem duas vezes antes de ajuizar qualquer ação aventureira, porque agora os riscos de seus clientes terem de pagar é real", avalia o advogado Marcelo Scalzilli, sócio do escritório Scalzilli Althaus.
Desde que a reforma entrou em vigor, o número de ações trabalhistas no Brasil caiu 50%, de acordo com levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST). De um total mensal que costumava passar de 200 mil em todo o país, os processos recebidos em primeira instância despencaram para 82,4 mil em dezembro.
Para Marcelo Scalzilli, a resistência da Anamatra não encontra eco entre a maioria dos juristas brasileiros. Ele acredita que esse tipo de movimento se pulverizará quando os resultados de emprego e renda começarem a aparecer mais para a população. "Aos poucos vai se criando o entendimento de que essas mudanças são fundamentais para a prosperidade econômica do país. Não há como estimular a produção sem dar segurança jurídica ao empregador", pondera, projetando um prazo de cinco anos para que o real impacto das mudanças seja percebido nas atividades do Judiciário e nas relações trabalhistas brasileiras.
O próprio TST tem sido um dos maiores promotores das vantagens da reforma para a modernização das relações de trabalho. Os ministros - não apenas através de decisões, mas também de ações institucionais - têm defendido a aplicação da lei na íntegra. "Essa reforma era necessária e fundamental para dar segurança jurídica para todos os segmentos", disse o presidente da Corte, Ives Gandra Martins Filho, durante seminário realizado em Brasília em dezembro. No encontro, afirmou ainda ter "muita esperança" de que a lei trará uma "redução substancial do desemprego" e "o aumento dos investimentos no país".
O Instituto Brasileiro de Ensino e Cultura (IBEC) - composto por integrantes do Judiciário, advogados e professores - é outro que está engajado na promoção da reforma. De fevereiro a junho, a entidade realizará 30 encontros em diversas cidades brasileiras para esclarecer pontos da nova lei e tratar das perspectivas políticas, sociológicas e econômicas da modernização. Entre os conferencistas estão o ex-ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, o filósofo Denis Rosenfield e o desembargador Bento Herculano Duarte Neto, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (RN) e presidente do IBEC.
"Queremos colaborar para que haja uma uniformização do entendimento sobre a reforma trabalhista. A lei, concorde-se ou não com ela, é feita para ser cumprida. Com a exposição de alguns movimentos contrários, passou-se a ideia de que os juízes não iriam cumpri-la, e isso não corresponde à realidade", analisa o desembargador. "Isso não impede que se discuta a constitucionalidade de alguns pontos, o que foi feito pela própria Procuradoria-Geral da República em relação à justiça gratuita", exemplifica.
A flexibilização das negociações e a expectativa da geração de empregos são citadas por Bento Herculano como os maiores avanços da modernização da lei. O desafio, defende o desembargador, é agregar desenvolvimento social e econômico às relações de trabalho, com responsabilidade. "O juiz não é apenas a boca da lei, ele tem a obrigação de interpretá-la. A reforma não pode ser utilizada pelos patrões como instrumento para a precarização das relações de trabalho. Isso, além de prejudicar o trabalhador, causaria uma reação em cadeia, com a diminuição do consumo e da arrecadação", observa.
Novas notícias surgirão nos próximos meses sobre a aplicação e a validade do texto aprovado em novembro passado. No início de fevereiro, uma comissão especial do TST começou a debater a situação das ações judiciais e contratos anteriores à reforma. Um definição deve sair apenas em maio.
Também com a retomada dos trabalhos legislativos, os parlamentares devem analisar a MP 808/2017, que promove alterações na reforma em trechos como o do trabalho intermitente e autônomo. Ao todo, foram apresentadas 967 emendas à MP, editada pelo presidente Michel Temer para cumprir acordo com sua base e evitar que eventuais mudanças feitas pelo Senado atrasassem a aprovação do texto à época.
Sindicatos se mobilizam para contornar perdas do imposto sindical
Outro ponto da reforma que - como previsto - não é bem digerido por entidades representativas de trabalhadores e empresas é o fim da obrigatoriedade do pagamento do imposto sindical. Pelo menos uma confederação patronal e seis sindicatos trabalhistas já entraram com ação direta de inconstitucionalidade no STF contra a medida. Até mesmo entidades que apoiaram a mudança - como a Confederação Nacional da Saúde (CNS) - já se posicionaram publicamente pela volta da contribuição caso o impacto em seus caixas seja maior do que o esperado.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima que as entidades perderão, em média, 70% de suas receitas com a mudança, que está em vigor desde o início do ano. Em 2017, R$ 3 bilhões referentes ao tributo foram repassados a centrais, confederações, federações e sindicatos patronais e laborais, além de R$ 587 milhões do Ministério do Trabalho para o pagamento de benefícios como o seguro-desemprego. Se a projeção do Dieese se confirmar, a arrecadação deve cair para R$ 900 milhões.
"O que foi feito pelo Congresso foi um crime", considera Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), uma das maiores centrais sindicais do país. Segundo ele, o ideal seria oferecer uma oportunidade de transição aos sindicatos, a exemplo da cláusula de barreiras dos partidos, aprovada em 1995 para ter validade nas eleições de 2006. "O que interessa aos políticos é tratado de um jeito, o que interessa à população, de outro. É um desserviço muito grande às conquistas da Constituição de 88", avalia.
Para Patah, no entanto, "não adianta chorar o leite derramado". Os sindicatos terão de enxugar gastos, reduzir de tamanho e buscar fontes alternativas de receitas - fórmula que está sendo adotada pela maioria das entidades. "Nossa principal orientação é a sindicalização em massa, batendo de porta em porta mesmo e orientando os trabalhadores que, sem uma representação sindical forte, essa legislação irá precarizar as relações de trabalho", relata ele, que também preside o Sindicato dos Comerciários de São Paulo.
A Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) tem orientado seus mais de 800 associados a realizarem assembleias para deliberar sobre o tema. Amparada por uma emenda da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) que defende que as alterações da lei não incidem sobre a natureza tributária e compulsoriedade da contribuição, mas sim nas formalidades de seu desconto, a entidade postula que o imposto sindical permaneça obrigatório. "O que a nova lei deu foi esse enfoque de autorização prévia e expressa dos membros da categoria representada, que, tanto para as patronais como para as trabalhistas, depende das assembleias gerais", argumenta o presidente da CSB, Antonio Fernandes dos Santos Neto.
Ou seja, o que era feito antes diretamente na folha do trabalhador, sem consulta, agora deve ser definido em assembleia. "Estão falando que a contribuição sindical acabou. Não acabou. Estamos vivendo o que chamo de lusco-fusco. Não podemos tomar nenhuma atitude diferente da que definimos sem que haja uma decisão do STF sobre o tema", pontua Neto. Ele ressalta ainda que por estar expressa no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal, a contribuição não pode ser facultativa, podendo ser alterada apenas por meio de lei complementar, e não ordinária, como foi feito.
Já as organizações patronais que se prepararam para o baque estão apostando em estratégias de mercado e no ajuste das contas para diversificar as fontes de receita. O trabalho de reestruturação do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) iniciou há mais de sete meses. Desde então, 46 dos 96 funcionários foram cortados e o departamento de contabilidade foi terceirizado. A revista impressa, por sua vez, passou a existir apenas em versão digital, com o acesso aos conteúdos do site passando a ser pagos, assim como os serviços de assessoria jurídica. A entidade realiza também uma campanha para a filiação de novas empresas. Nos últimos meses, o Sinduscon-SP dobrou o número de associados, passando de mil para cerca de dois mil membros, num universo de 13 mil representados no setor.
Link original da matéria: http://www.revistavoto.com.br/ate-que-ponto-confiar-na-aplicacao-da-nova-lei-tra...
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