Responsabilidade por pagamento de honorários periciais.




A Constituição da República de 1988 prevê, em seu art. 5º, LXXIV, com força de clausula pétrea, e representativa de direito fundamental, que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Neste sentido, o art. 790-B, caput, e seu correlato parágrafo 4º, com redação emprestada pela lei 13.467/2017, merecem interpretação conforme a Constituição, ao preverem que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita, e que somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo. Da mesma forma, o art. 791-A, parágrafo 4º, da CLT, com redação emprestada pela lei 13.467/2017, ao tratar da sucumbência em relação ao pagamento de honorários advocatícios, merece interpretação conforme a Constituição, ao prever que, vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
Há que se conjugar as previsões dos arts. 790-B, par. 4º, e 791-A, par. 4º, ambos da CLT, no sentido de que o beneficiário da justiça gratuita responde pelo valor dos honorários advocatícios e/ou periciais, se tiver obtido em juízo “créditos capazes de suportar a despesa”, com o mandamento Constitucional do art. 5º, LXXIV, de se garantir assistência jurídica integral para aqueles que comprovarem insuficiência de recursos. Em termos: há que se perquirir o parâmetro objetivo para definição do volume de créditos capazes de suportar a despesa, sem prejuízo à garantia constitucional da assistência integral, para aquele que está em contexto de insuficiência de recursos.
Por óbvio que a régua da chamada “suficiência de recursos”, quanto a “créditos capazes de suportar a despesa” não está atrelada ao simples encontro contábil entre crédito e débito verificado em determinado ou determinados processos judicias trabalhistas, notadamente quando se considera que o processo do trabalho trata de parcelas de crédito alimentar, essenciais à sobrevivência do indivíduo e de sua entidade familiar, superprivilegiado em relação a todos os demais créditos (conforme art. 83, da lei 11.101/2005 e art. 186, da lei 5.172/66), com intangibilidade garantida por toda a sistemática do ordenamento jurídico, notadamente pelas próprias normas processuais, tendo em vista que o art. 833, do CPC/2015 prevê que:
Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;
(…) § 2o O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o. (grifamos)
Neste sentido, observado o regime de competência em relação a cada uma das parcelas deferidas em determinada sentença judicial trabalhista, há que se respeitar a intangibilidade dos créditos cujo direito fora reconhecido ao trabalhador, até o limite de 50 salários mensais, limite a partir do qual o ordenamento jurídico deixa de reconhecer a essencialidade alimentar da verba, que passa, assim, a ser suficiente e disponível à constrição judicial, para efeito de pagamento de dívidas judiciais, ensejando presunção de “suficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, da CF/88), e da existência de “créditos capazes de suportar a despesa”( arts. 790-B, par. 4º, e 791-A, par. 4º, ambos da CLT).
Pondere-se já representar ponto pacífico, na jurisprudência, o critério do regime de competência, para a aferição do impacto da sentença trabalhista na capacidade econômica do trabalhador que teve reconhecido, em juízo, o direito de crédito de natureza salarial, priorizando-se, a respeito, a carga de conteúdo declaratório da sentença, em relação a valores que deveriam ter sido quitados em determinada época própria da relação empregatícia. Neste sentido, dispõe a Súmula 368, do TST, que
DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS. IMPOSTO DE RENDA. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO. FORMA DE CÁLCULO. FATO GERADOR (aglutinada a parte final da Orientação Jurisprudencial nº 363 da SBDI-I à redação do item II e incluídos os itens IV, V e VI em sessão do Tribunal Pleno realizada em 26.06.2017) – Res. 219/2017, republicada em razão de erro material – DEJT divulgado em 12, 13 e 14.07.2017
III – Os descontos previdenciários relativos à contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, devem ser calculados mês a mês, de conformidade com o art. 276, § 4º, do Decreto n º 3.048/1999 que regulamentou a Lei nº 8.212/1991, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário de contribuição (ex-OJs nºs 32 e 228 da SBDI-1 – inseridas, respectivamente, em 14.03.1994 e 20.06.2001). (grifamos)
V – Para o labor realizado a partir de 5.3.2009, considera-se fato gerador das contribuições previdenciárias decorrentes de créditos trabalhistas reconhecidos ou homologados em juízo a data da efetiva prestação dos serviços. Sobre as contribuições previdenciárias não recolhidas a partir da prestação dos serviços incidem juros de mora e, uma vez apurados os créditos previdenciários, aplica-se multa a partir do exaurimento do prazo de citação para pagamento, se descumprida a obrigação, observado o limite legal de 20% (art. 61, § 2º, da Lei nº 9.430/96). (grifamos)
VI – O imposto de renda decorrente de crédito do empregado recebido acumuladamente deve ser calculado sobre o montante dos rendimentos pagos, mediante a utilização de tabela progressiva resultante da multiplicação da quantidade de meses a que se refiram os rendimentos pelos valores constantes da tabela progressiva mensal correspondente ao mês do recebimento ou crédito, nos termos do art. 12-A da Lei nº 7.713, de 22/12/1988, com a redação conferida pela Lei nº 13.149/2015, observado o procedimento previsto nas Instruções Normativas da Receita Federal do Brasil. (grifamos)
A interpretação sistêmica do ordenamento jurídico, assim, verte-se no sentido de se diferir no tempo, retroativamente, o impacto da aferição dos valores recebidos de forma acumulada pelo trabalhador, em sua capacidade econômica, tal como efetivamente ocorreria acaso tivesse recebido suas parcelas salariais em época própria, circunstância que, predominando para efeito de incidência de contribuições fiscais ou previdenciárias, pela mesma razão se aplica para efeito de aferição da existência de “créditos capazes de suportar a despesa” processual referente a sucumbência de honorários, sejam eles advocatícios, sejam eles periciais, na forma dos arts. 790-B, par. 4º, e 791-A, par. 4º, ambos da CLT.
Destaque-se, por coerência de argumento, que as parcelas que reparam dano moral ou material, decorrente da relação laboral, também não podem ser consideradas como circunstâncias isoladas de enriquecimento tópico do trabalhador, por ocasião da percepção do objeto da indenização. Se se está simplesmente reparando prejuízo, em nada está sendo alterando, em termos de renda efetiva e capacidade econômica, a situação do trabalhador. Nas palavras do Eminente Ministro Vieira de Mello Filho, tanto a indenização por danos morais quanto o pagamento de pensão mensal não se enquadram no conceito legal de renda, uma vez que não decorrem do produto do capital ou do trabalho, nem de acréscimo patrimonial, pois o que visa é apenas compensar a lesão sofrida pelo empregado. In literis:
RECURSO DE EMBARGOS DA RECLAMANTE – ACIDENTE DE TRABALHO – DANOS MATERIAIS – INDENIZAÇÃO – PENSIONAMENTO – IMPOSTO DE RENDA. Esta Corte tem firme entendimento de que tanto a indenização por danos morais quanto o pagamento de pensão mensal não se enquadram no conceito legal de renda, uma vez que não decorrem do produto do capital ou do trabalho, nem de acréscimo patrimonial, pois o que visa é apenas compensar a lesão sofrida pelo empregado. Nesse contexto, é indubitável a natureza compensatória da verba, razão pela qual não há a incidência do imposto. Nesse sentido já se pronunciou esta Subseção, ao julgar o Processo E-ED-RR-219000-95.2003.5.05.0013, Rel. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, DJ de 16/12/2011. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-ED-ED-RR – 59900-40.2005.5.20.0006, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 10/04/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 25/04/2014).
Assim, apenas em se verificando, quando da liquidação de sentença, que na distribuição dos créditos de natureza salarial reconhecidos ao trabalhador, segundo fato gerador, pelo período contratual, e com referência a algum ou alguns meses de competência, fora excedido o teto de 50 salários mínimos, a verba que sobejar pode ser revolvida para o pagamento dos honorários, sejam periciais, sejam advocatícios. Na hipótese contrária, ou seja, de não se verificar excesso ao teto de 50 salários em nenhum mês de competência, a exigibilidade dos honorários advocatícios deverá ser suspensa, na forma do art. 791-A, par. 4º, da CLT, ao passo que o pagamento dos honorários periciais deverá ser garantido pela União, expedindo-se requisição correlata, nos termos do art. 5º, da Resolução 6/2010, do CSJT e Súmula 457, do TST.
Solução hermenêutica diversa da empregada no presente feito lesaria não apenas o art. 5º, LXXIV, da CF/88, mas também a cláusula de igualdade inscrita do caput do art. 5º, da CF/88, na medida em que implicaria em discriminação odiosa justamente em face do trabalhador, no que tange ao acesso à Justiça, porquanto apenas este teria que pagar, sempre, honorários advocatícios ou periciais, mesmo na hipótese de ser pobre no sentido legal e de não contar com capacidade econômica reconhecida nos parâmetros legais, em tratamento inferior por parte do Estado em comparação ao cidadão que recorre ao Judiciário Comum, na medida em que neste prevaleceria a regra dos arts. 95 e 98, do CPC, segundo as quais:
Art. 95.
§ 3o Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:
I – custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;
II – paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça.
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1o A gratuidade da justiça compreende:
(…)
VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
Enfim, merece destacar não se mostrar pertinente, no particular, objeção por constatação de suposta antinomia entre as normas citadas, que protegem e resguardam o crédito salarial de natureza alimentar reconhecido em sentença trabalhista, com as normas que protegem a natureza alimentar dos honorários periciais e advocatícios.
Isso porque a regra do art. 833, IV, do CPC, no que tange à intangibilidade do salário, representa norma respeitada dentro da própria Justiça Especializada, para efeito de blindagem da remuneração do empregador que, até o teto legalmente definido, não pode ser constrito para pagamento de passivo trabalhista, de igual natureza alimentar. Neste sentido:
Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA INCIDENTE SOBRE PERCENTUAL DA REMUNERAÇÃO. ILEGALIDADE. ART. 833, IV, DO CPC DE 2015. OJ 153 DA SBDI-2 DO TST. 1. Pretensão mandamental dirigida contra determinação de bloqueio mensal de 20% (vinte por cento) da remuneração da Impetrante, paga pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 2. O Tribunal Regional do Trabalho denegou a segurança. 3. Na linha da jurisprudência assente no âmbito desta Corte, a constrição judicial incidente sobre salário e remuneração, pouco importando o percentual arbitrado, reveste-se de manifesta ilegalidade, em face da expressa dicção do inciso IV do art. 833 do CPC de 2015 (OJ 153 da SBDI-2 do TST). Recurso ordinário conhecido e provido. Processo: RO – 100322-20.2016.5.01.0000 Data de Julgamento: 26/09/2017, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 06/10/2017.
Ora, se o argumento de que o crédito trabalhista detém natureza alimentar não se presta a elidir a intangibilidade da remuneração do devedor, há que se resguardar coerência do ordenamento jurídico no que tange à possibilidade de constrição de crédito salarial do próprio trabalhador, para efeito de pagamento de outras parcelas honorárias, ainda que reconhecido o caráter alimentar destas, pelo menos dentro dos limites impostos pelo próprio art. 833, IV, do CPC.
(*) Bruno Alves Rodrigues é Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Divinópolis/MG. Mestre em Filosofia do Direito pela UFMG. Doutorando em Direito pela UFMG.
Fonte: JOTA, por Bruno Alves Rodrigues


  João Vicente Murinelli Nebiker – Jurídico
Federação dos Empregados no Comércio de Bens e de Serviços do Norte e do Nordeste – FECONESTE
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