STF SUSPENDE EFEITOS DA PORTARIA MINISTERIAL SOBRE TRABALHO ESCRAVO
Liminar
da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspende a
Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho que altera regras de
fiscalização no combate ao trabalho escravo e cria nova definição aos
conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à
de escravo, para, entre outros fins, a concessão de seguro desemprego.
A liminar foi deferida na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 489, ajuizada pelo partido
Rede Sustentabilidade. Tramita ainda no STF ação semelhante (ADPF 491)
ajuizada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL),
também sob relatoria da ministra Rosa Weber.
Em sua decisão na ação proposta pela
Rede, a ministra considera cabível a ADPF, observando que a definição
conceitual proposta na portaria ministerial “afeta as ações e políticas
públicas do Estado brasileiro, no tocante ao combate ao trabalho
escravo, em três dimensões: repressiva (ao repercutir nas fiscalizações
procedidas pelo Ministério do Trabalho), pedagógico-preventiva (ao
disciplinar a inclusão de nomes no Cadastro de Empregadores que tenham
submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo) e reparativa
(concessão de seguro-desemprego ao trabalhador resgatado)”.
Nesse sentido, a relatora afirma que
tais definições conceituais, “sobremodo restritivas”, não se coadunam
com o que exige o ordenamento jurídico brasileiro, os tratados
internacionais celebrados pelo Brasil e a jurisprudência dos tribunais
sobre a matéria.
Como revela a evolução do direito
internacional sobre o tema, afirma a ministra em sua decisão, "a
'escravidão moderna' é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode
decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente
físicos”.
“A violação do direito ao trabalho
digno, com impacto na capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a
sua livre determinação, também significa ‘reduzir alguém a condição
análoga à de escravo’”, prossegue a relatora em sua decisão.
“Por evidente, não é qualquer violação dos direitos trabalhistas
que configura trabalho escravo”, diz a ministra. Entretanto, acrescenta
que, se atinge níveis gritantes e se submetidos os trabalhadores a
trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes, com a
privação de sua liberdade e de sua dignidade, “resulta configurada,
mesmo na ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir,
hipótese de sujeição de trabalhadores a tratamento análogo ao de
escravos, nos moldes do artigo 149 do Código Penal, com a redação que
lhe foi conferida pela Lei nº 10.803/2003”, afirma.
Na avaliação da ministra, a portaria
ministerial esvazia o conceito de jornada exaustiva de trabalho e
trabalho forçado; introduz, sem base legal, “o isolamento geográfico”
como elemento necessário à configuração de hipótese de cerceamento do
uso de meios de transporte pelo trabalhador; e coloca a presença de
segurança armada, como requisito da caracterização da retenção
coercitiva do trabalhador no local de trabalho em razão de dívida
contraída.
Toda essa mudança de conceito, segundo a
relatora, atenua o alcance das políticas de repressão, de prevenção e
de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de escravo e
contraria 20 anos de trajetória jurídica e administrativa realizada
pelo Brasil no sentido do combate à escravidão contemporânea, com
instrumentos e mecanismos técnicos reconhecidos internacionalmente.
“Tais mecanismos e instrumentos estavam
configurados justamente na ‘lista suja’, na forma da inspeção do
trabalho e no enfrentamento da impunidade pelos Grupos Especiais de
Fiscalização Móvel, por meio da atividade de investigação, processamento
e punição dos responsáveis pelos delitos, conforme nota divulgada pela
Organização Internacional do Trabalho”.
A relatora lembra que mesmo esses
mecanismos ainda não foram suficientes para coibir a prática do trabalho
escravo moderno e o tráfico de pessoas em algumas regiões do país,
levando o Brasil à condenação pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos no caso Fazenda Brasil Verde.
Liminar
Para a concessão da liminar a
relatora considerou presentes os pressupostos da plausibilidade jurídica
do pedido (fumus boni juris) e perigo de demora na decisão (periculum
in mora), diante do risco “de comprometimento dos resultados alcançados
durante anos de desenvolvimento de políticas públicas de combate à
odiosa prática de sujeitar trabalhadores à condição análoga à de
escravo”, caso a portaria produza efeitos.
Segundo a ministra, a Portaria
1.129/2017 do Ministério do Trabalho “tem como provável efeito prático a
ampliação do lapso temporal durante o qual ainda persistirá aberta no
Brasil a chaga do trabalho escravo, trazendo danos contínuos à dignidade
das pessoas.
Assim, a ministra Rosa Weber deferiu a
liminar, a ser referendada pelo Plenário, “com o caráter precário
próprio aos juízos perfunctórios e sem prejuízo de exame mais
aprofundado quando do julgamento do mérito” para suspender os efeitos da
portaria ministerial.
Em seguida a ministra requisitou
informações ao ministro do Trabalho, e pareceres da Advocacia-Geral da
União e da Procuradoria-Geral da República.
Leia a íntegra da decisão da ministra Rosa Weber na ADPF 489.
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