Mentiras e verdades sobre a reforma trabalhista.
Em Frankenstein, Victor é um cientista brilhante
que quer criar um ser perfeito. No final, a criatura, um inteligente retalho de
cadáveres, amaldiçoa e mata todos com quem Victor se importa.
Assim também é a Lei nº 13.467/2017, que alterou
mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), divulgada como
“reforma” trabalhista. Mais honesto seria chamá-la de
“deforma” trabalhista, pois retalhou e desfigurou o direito do
trabalho, que nasceu com o objetivo de proteger a parte mais fraca da relação
laboral.
Vejamos algumas verdades e mentiras sobre a
“reforma” trabalhista.
A legislação trabalhista brasileira é velha e
precisa ser modernizada: mentira. A CLT é de 1943, mas cerca de 85% do seu
texto foi alterado nesses 74 anos para alinhá-la às mudanças sociais, a exemplo
do trabalho remoto ou home office.
O excesso de direitos trabalhistas quebra as
empresas: mentira. O que leva os negócios à falência é a falta de demanda, a
burocracia e o risco inerente ao empreendimento. Trabalhadores com menos
direitos terão menor renda, reduzindo ainda mais o consumo e deprimindo a
economia.
Existem países sem Justiça do trabalho: mentira.
Há países sem juízes especializados em direito do trabalho, mas o Judiciário de
todo país democrático julga casos trabalhistas, pois onde há relações de trabalho,
há conflitos que precisam ser resolvidos pelo Estado.
Uma legislação trabalhista mais flexível gerará
mais empregos e o Brasil voltará a crescer: mentira. Quando a lei da reforma
entrar em vigor, muitos empregos existentes serão substituídos por relações de
trabalho piores, com menores salários. Menor salário é igual a menor consumo e,
portanto, menor crescimento econômico, como mostra a experiência de países como
a Espanha e a Grécia.
O trabalhador poderá ficar à disposição do
empregador durante todo o mês ganhando menos que um salário mínimo ou sem
salário: verdade. O contrato de trabalho intermitente permite o pagamento
apenas das horas efetivamente trabalhadas pelo empregado. Quando não for
convocado pela empresa, ficará sem nada.
Existirão empresas sem nenhum empregado: verdade.
Todos os trabalhadores poderão ser “pejotizados”, transformados em
autônomos ou terceirizados, mesmo que integrem a atividade principal do
empregador e recebam ordens. O único propósito dessa mudança é diminuir custos
para a empresa às custas dos direitos sociais.
A vida do trabalhador rico valerá mais que a do
pobre: verdade. Eventual indenização por danos causados ao empregado em razão
de acidente ou de doença do trabalho será tabelada de acordo com o seu salário.
Na prática, se um pedreiro com salário de R$ 1 mil e um gerente com salário de
R$ 20 mil morrerem num mesmo acidente, a família do mais humilde receberá até
R$ 50 mil, enquanto a do gerente ganhará até R$ 1 milhão. Curiosamente, só
trabalhadores dentre todas as pessoas terão teto para indenização.
A arrecadação da previdência social reduzirá:
verdade. A reforma diminui o valor sobre o qual incidem as contribuições para o
INSS. As empresas pagarão menos para a previdência e o valor das
aposentadorias, que é bancado pelas contribuições, cairá.
A contribuição sindical deixará de ser
obrigatória: verdade. Hoje, todos os empregados contribuem com um dia de
salário por ano para o sindicato da sua categoria. Em contrapartida, são todos
beneficiados com as vantagens conquistadas por eles. A contribuição opcional
aliada à proibição de livre constituição de sindicatos levará ao seu
enfraquecimento justamente quando estabelece a prevalência do negociado sobre o
legislado.
A negociação coletiva poderá prevalecer sobre a
lei, mesmo para prejudicar o trabalhador: verdade. A Constituição só permite
que a negociação coletiva prevaleça sobre a lei quando aumenta direitos, mas a
lei autoriza a negociação para diminuir ou retirar direitos. Assim, um acordo
coletivo poderá reduzir o intervalo do almoço ou aumentar a jornada de trabalho
para doze horas diárias, sem pagamento de horas extras. Lembre-se que o
sindicato sem dinheiro em razão da extinção da contribuição sindical é quem
representará os trabalhadores nessa negociação.
Pouco ou nada se divulgou acerca da grande
quantidade de prejuízos que a “reforma” representará para os
trabalhadores, praticamente não houve debates sérios sobre os seus reais
propósitos e as suas consequências para o país. Ainda assim, a “reforma”
trabalhista foi defendida por poucos. Mais de 90% dos brasileiros mostraram-se
contrários, como evidenciou pesquisa pública no site do Senado Federal. Aqueles
que lutaram por sua aprovação, visavam incrementar seus lucros com as mudanças.
A “reforma”, contudo, foi aprovada. O monstro de Frankenstein
acordou.
(*) Cirlene Luiza Zimmermann e Rodrigo Assis
Mesquita Procuradores do Trabalho.
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