Como a reforma trabalhista pode afetar os sindicatos e seus 150 mil funcionários
FONTE: Portal Uol
Crise
Há mais de dois anos, as entidades sindicais enfrentam restrições orçamentárias. Com a queda no número de trabalhadores formais por causa da recessão - são 3 milhões de vagas com carteira assinada a menos só no biênio 2015-2016 -, os recursos vindos da contribuição despencaram para uma série de entidades.
Entre os demitidos estavam os 20 médicos e 12 dentistas do centro de saúde, que ocupa parte dos quatro andares do prédio e está sendo completamente desativado neste mês. Os filiados ao sindicato passarão a ser atendidos pela rede da Secretaria Social da Construção (Seconci).
Para Ramalho, que está à frente da entidade desde 1999, há 18 anos, "o imposto sindical morreu e tinha que morrer mesmo”. Ele acredita que os sindicatos deveriam ser mantidos por uma contribuição discutida em assembleia com os trabalhadores, que julgariam o resultado da campanha salarial e, a partir daí, definiriam o percentual a ser descontado dos salários.
Reação dos sindicatos
"Ai, moça, em novembro ninguém sabe. Talvez a gente nem esteja mais
aqui", diz a recepcionista do departamento de homologação do Sindicato
da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP), quando questionada
sobre sua expectativa em relação à nova legislação trabalhista, que
entra em vigor no fim deste ano.
Em dois meses, caso o texto aprovado em 11 de julho no Senado não seja
alterado por Medida Provisória, a contribuição sindical obrigatória
deixa de existir - e, com ela, a principal fonte de financiamento para
muitas das entidades que representam tanto empresas quanto
trabalhadores.
Essas organizações empregam atualmente 153,5 mil pessoas com carteira
assinada no país, mostram os dados da Relação Anual de Informações
Sociais (Rais) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged). Os sindicatos de trabalhadores, destino dos R$ 2,6 bilhões
arrecadados em 2016 com o desconto de um dia de trabalho de todos os
funcionários com carteira assinada do país, respondem por 76,5% do total
de vagas, 117,6 mil.
As entidades patronais, que receberam R$ 1,3 bilhão da contribuição
recolhida diretamente das empresas, somam 35,9 mil funcionários.
Passada a reforma, dizem especialistas em mercado de trabalho e
sindicalismo, o número de trabalhadores em sindicatos no Brasil tende a
encolher, de um lado, porque muitas entidades terão de se reestruturar
para sobreviver com um orçamento menor e, de outro, porque centenas de
sindicatos deixarão de existir.
A extinção do imposto terá maior impacto sobre cerca de 7 mil dos quase
12 mil sindicatos de trabalhadores do país, diz o consultor sindical
João Guilherme Vargas Netto, já que cerca de 5 mil entidades representam
funcionários públicos e da zona rural e têm grande parte das receitas
garantidas por mensalidade paga pelos afiliados.
Daqueles 7 mil, ele afirma, 4 mil são sindicatos "de carimbo", que não
negociam melhores salários ou melhores condições de trabalho para suas
bases e existem exclusivamente por causa do imposto. "Esses tendem a
desaparecer", ele diz.
Da forma como foi instituído, em 1937, o imposto sindical tende a
provocar a dependência do sindicalismo em relação ao Estado e o
distanciamento em relação aos trabalhadores que representam, afirma
Andréia Galvão, professora do departamento de ciência política da
Unicamp.
Assim, a mudança trazida pela reforma poderia estimular um sindicalismo
mais independente e mais representativo, ela diz. Sem a garantia de
recursos financeiros, os sindicatos precisariam se preocupar mais com o
trabalho de base, já que passariam a depender de suas próprias forças,
isto é, de seus filiados e suas contribuições voluntárias.
A reestruturação do movimento sindical, acrescenta Vargas Netto, vai
levar a um reagrupamento das entidades, com demissões e corte de áreas
que não sejam fundamentais.
"É claro que os sindicatos mais ativos, que têm uma tradição de luta,
não terão vida fácil", diz a cientista política. "O sindicalismo é um
movimento vital para organizar e representar os interesses dos
trabalhadores. O Brasil possui sindicatos importantes em categorias como
bancários, petroleiros, metalúrgicos, químicos, professores e diversas
carreiras na função pública”.
Além da extinção do imposto, essas entidades enfrentarão desafios
colocados por outros artigos da reforma que, afirma Galvão, enfraquecem o
sindicalismo.
Entre eles, estão a possibilidade de negociação individual de aspectos importantes da relação de trabalho sem assistência sindical, a representação dos trabalhadores no local de trabalho independentemente dos sindicatos, com a formação de comissões de empregados com atribuições que hoje são das entidades - e que, em sua avaliação, podem sofrer interferência das empresas -, e a não obrigatoriedade de que as rescisões contratuais sejam homologadas nos sindicatos.
Entre eles, estão a possibilidade de negociação individual de aspectos importantes da relação de trabalho sem assistência sindical, a representação dos trabalhadores no local de trabalho independentemente dos sindicatos, com a formação de comissões de empregados com atribuições que hoje são das entidades - e que, em sua avaliação, podem sofrer interferência das empresas -, e a não obrigatoriedade de que as rescisões contratuais sejam homologadas nos sindicatos.
O fim da homologação
Os departamentos de homologação serão afetados não apenas pelo fim da
contribuição sindical. O artigo 477 da nova lei acaba com a autenticação
hoje obrigatória nos sindicatos dos desligamentos de funcionários com
mais de um ano trabalho. No Sintracon-SP, essa área emprega dez pessoas:
duas recepcionistas - entre elas a que conversou com a reportagem -,
uma coordenadora e sete atendentes, que registram 3,5 mil documentos por
mês.
Uma delas é Mônica Vieira Dourado Lourenço, que, depois de quase dois
anos e meio na entidade, voltou a cadastrar o currículo em sites de
recrutamento."A gente aproveita quando os funcionários de RH das
empresas vêm fazer homologação para perguntar se lá tem vaga, mas a
construção também está passando por um momento ruim", acrescenta.
Ela decidiu procurar outro emprego ainda antes da iminência da aprovação da reforma trabalhista, porque deseja trabalhar com algo mais próximo de sua área de formação, em recursos humanos. Mas admite que é crescente o número de colegas que, com medo de perder o emprego no fim deste ano, também buscam recolocação.
Ela decidiu procurar outro emprego ainda antes da iminência da aprovação da reforma trabalhista, porque deseja trabalhar com algo mais próximo de sua área de formação, em recursos humanos. Mas admite que é crescente o número de colegas que, com medo de perder o emprego no fim deste ano, também buscam recolocação.
"No mínimo o número de funcionários vai cair", diz a coordenadora do
departamento, a advogada Natália Cardoso de Oliveira Santos. O sindicato
foi seu primeiro emprego, que assumiu em 2013, logo após ser aprovada
no exame da ordem. A reunião com a direção de entidade sobre o que deve
acontecer após novembro ainda não aconteceu. No pior cenário, a área
deixaria de existir.
Para ela, o fim da homologação obrigatória deve causar prejuízo também aos trabalhadores.
Para ela, o fim da homologação obrigatória deve causar prejuízo também aos trabalhadores.
Entre os funcionários da construção civil, ressalta, que em geral têm
menos anos de estudo, é comum o desconhecimento sobre os direitos que o
empregado tem quando é desligado da empresa. "Nós esbarramos com
irregularidades todos os dias”.
Não raro, conta Mônica, que trabalha diretamente com as homologações,
são descontados como falta os dias que os funcionários permanecem em
casa a pedido da própria empresa, nos intervalos entre uma obra e outra.
Também há casos em que a companhia, sob a alegação de que fará o
pagamento em dinheiro da rescisão, faz depósito bancário de um envelope
vazio na conta do empregado. "Tem gente que não sabe que tem direito a
férias, aos 40% de multa sobre o saldo do FGTS, e só descobre quando
chega aqui”.
Quando a nova legislação trabalhista entrar em vigor, em novembro, a
homologação passará a ser feita diretamente pelos empregadores. "Não há
previsão quanto à necessidade de presença de um advogado para dar
assistência ao empregado", afirma Carlos Eduardo Vianna Cardoso, sócio
do setor trabalhista do Siqueira Castro Advogados.
Como o documento servirá como um comprovante de quitação pelos valores
nele indicados, o especialista recomenda que, caso o empregado entenda
que há algo errado, não assine e procure um advogado para eventualmente
cobrar a diferença.Crise
Há mais de dois anos, as entidades sindicais enfrentam restrições orçamentárias. Com a queda no número de trabalhadores formais por causa da recessão - são 3 milhões de vagas com carteira assinada a menos só no biênio 2015-2016 -, os recursos vindos da contribuição despencaram para uma série de entidades.
No Sintracon-SP, a receita total recuou de R$ 60 milhões em 2014 para
R$ 40 milhões neste ano, conta o presidente da entidade, Antônio de
Sousa Ramalho, deputado estadual pelo PSDB. erca de 10% do orçamento vem
do imposto sindical. O restante, da mensalidade paga pelos associados,
de R$ 35. "A construção perdeu quase um milhão de empregos durante a
crise", ele afirma.
Para se adaptar à nova realidade financeira, o sindicato cortou um
terço dos funcionários, de pouco mais de 300 em 2014 para 200.Entre os demitidos estavam os 20 médicos e 12 dentistas do centro de saúde, que ocupa parte dos quatro andares do prédio e está sendo completamente desativado neste mês. Os filiados ao sindicato passarão a ser atendidos pela rede da Secretaria Social da Construção (Seconci).
Para Ramalho, que está à frente da entidade desde 1999, há 18 anos, "o imposto sindical morreu e tinha que morrer mesmo”. Ele acredita que os sindicatos deveriam ser mantidos por uma contribuição discutida em assembleia com os trabalhadores, que julgariam o resultado da campanha salarial e, a partir daí, definiriam o percentual a ser descontado dos salários.
Reação dos sindicatos
Essa é uma das modificações que as centrais sindicais têm tentado
negociar com o governo, diz o diretor técnico do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
Clemente Ganz Lúcio, e que poderiam ser implementadas através de Medida
Provisória. "É preciso garantir um financiamento associado ao bem
público que o sindicato cria", ressalta, referindo-se os ganhos
resultantes das campanhas salariais, que atingem todos os trabalhadores
de cada categoria - mesmo aqueles que, depois da lei, decidirem não
contribuir.
Além disso, as entidades consideram fundamental que se retire o poder
de negociação que foi concedido às comissões de funcionários que
passarão a ser eleitas dentro das empresas. A avaliação é que uma série
de atribuições que hoje são prerrogativa dos sindicatos passam a ser
desempenhadas por trabalhadores que, muitas vezes, estão suscetíveis a
pressão dos empregadores. "Isso quando falamos apenas dos sindicatos,
mas há outros pontos que precisam de limite imediato, como o trabalho
intermitente", acrescenta Ganz Lúcio.
Entidades patronais
As entidades patronais também serão afetadas pelo fim do imposto
sindical. Na Confederação Nacional do Comércio (CNC), a contribuição
representa 12% da receita, que deve chegar a R$ 450 milhões neste ano,
conforme a proposta orçamentária divulgada no fim do ano passado.
Através de sua assessoria de imprensa, a entidade afirma que o recurso
"é importante para o fortalecimento da atuação efetiva das entidades
sindicais na representação das categorias econômicas a elas filiadas",
mas destaca que tem trabalhado em busca da "autossustentabilidade,
ampliando a arrecadação com a oferta de produtos e serviços aos
empresários e a administração eficiente dos recursos”.
A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) também buscará
aumentar a fatia das receitas com serviços. Atualmente, a contribuição
responde por 16% do orçamento. A entidade, que defende o fim da
obrigatoriedade do imposto sindical, afirma que "a modernização da
legislação trabalhista passa também pelas entidades sindicais, tanto as
de trabalhadores quanto as patronais”.
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