Garibaldi recebe dirigentes de centrais sindicais para dialogar sobre reformas
"Se o objetivo [da reforma] é fazer com que os procuradores se acanhem,
se retirem da atividade investigativa, o efeito vai ser o inverso",
afirma o procurador-geral do trabalho, Ronaldo Curado Fleury,
acrescentando que pontos inconstitucionais serão questionados
judicialmente.
Para Fleury, ao contrário do que se afirma, a flexibilização de
direitos não gera emprego, apenas a precarização do trabalho. Ele cita
como exemplo a experiência em países como Espanha, Grécia, México e
Itália. "Se ocorreu isso no mundo inteiro por que no Brasil seria
diferente? Será que é o clima, a jabuticaba? Não faz sentido."
O que gera emprego, segundo ele, é aumento de demanda. "Se sou empresa,
só vou contratar mais se eu precisar produzir mais. Não pelo baixo
custo do trabalho", diz o procurador-geral em entrevista concedida ao
Valor. "Há dez anos o Brasil era a sexta economia do mundo. Com qual
legislação trabalhista? Essa mesma." A seguir, os principais trechos da
entrevista.
Valor: De que forma o projeto de lei poderá afetar o MPT e a Justiça do Trabalho?
Ronaldo Curado Fleury: Eu não tenho receio em afirmar que um dos
objetivos do projeto, da forma como aprovado na Câmara dos Deputados, é
dificultar a atuação do MPT e da Justiça do Trabalho. A exigência de um
quórum qualificado e diferenciado poderá impedir ou dificultar a edição
de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Não se exige hoje
em nenhum dos tribunais superiores. Em relação ao MPT, a proposta
dificulta o ajuizamento de ação anulatória de cláusula de acordo ou
convenção coletiva.
Valor: O texto também dificulta o acesso do trabalhador à Justiça?
Fleury: Sim. Pelo projeto, se o trabalhador faltar na primeira
audiência, o processo será arquivado e terá que pagar as custas. Hoje,
se não comparecer, a audiência pode ser remarcada até duas vezes. Outro
problema é que a proposta retira a revelia do processo do trabalho.
Atualmente, se o empregador não comparece é aplicado a ele a revelia.
Pelo texto, inclusive, se tiver lá só o advogado do empregador, o juiz
terá que receber a defesa e considerá-la. Esse projeto de lei inverte a
relação de forças no direito do trabalho e trata o empregado como
hipersuficiente e o empregador como hipossuficiente.
Valor: Mas se o trabalhador não for à audiência e o advogado dele estiver presente, não será aceita a defesa dele?
Fleury: Não. Se o trabalhador não comparecer ainda que o advogado
esteja presente, terá que pagar as custas processuais e o processo será
arquivado.
Valor: Há inconstitucionalidades no texto?
Fleury: Há vários pontos inconstitucionais. Um deles é o que trata da
"pejotização". No caso de ficar comprovado que um microempresário
individual trabalhava exclusivamente para o empregador, o juiz não
poderá considerar a relação uma fraude. É um absurdo, pois o empregador
usou a lei para burlar a própria lei e o Judiciário não poderá falar
nada. É retirar do Poder Judiciário a competência para dirimir um
conflito em que haja uma fraude. Isso é absolutamente inconstitucional,
como diversos outros pontos do projeto.
Valor: O que vai ocorrer se o projeto de lei for aprovado como está?
Fleury: Obviamente vamos ter que repensar nossa autuação. Se a lei é
constitucional, nossa obrigação é fiscalizar o cumprimento. Se é
inconstitucional, nossa obrigação é arguir a sua inconstitucionalidade. E
se a lei é usada para burlar a própria lei, nossa obrigação é tentar
anular, extirpar do mundo jurídico essas fraudes.
Valor: O MPT poderá questionar inconstitucionalidades?
Fleury: Vai depender do texto aprovado e da forma de adoção do texto
pelos empregadores. Temos que reconhecer que há questões que precisam
ser regulamentadas, como teletrabalho e o uso de aplicativo. Mas a
grande questão é esse projeto abrir a possibilidade de fraudes, de forma
muito escancarada. Ele não cria limitações para empregadores. Trata
empresa com 50 mil empregados da mesma forma que trata o empregador
doméstico.
Valor: Vai aumentar a judicialização?
Fleury: Não tenho dúvida alguma. Se o objetivo foi dar segurança
jurídica, vai piorar justamente por falta de limitações. A terceirização
ilimitada, em qualquer área, vai contra a essência do capitalismo, que
prevê o capital e o trabalho. Se tenho todos os trabalhadores
terceirizados, a minha empresa vai ter capital e serviço, mas não vai
ter um dos pilares do capitalismo. Além disso, qualquer instrumento novo
sem obrigação, limitação para os empregadores, possibilitará que as
fraudes permeiem porque essa é a realidade brasileira.
Valor: Quem defende o projeto afirma que ele criará mais empregos e tirará trabalhadores da informalidade. O senhor concorda?
Fleury: Primeiro, vamos pegar estudos de entidades isentas - excluindo
entidades patronais e de obreiras. A OIT [Organização Internacional do
Trabalho ] fez um estudo em 2016 com 63 países que fizeram reforma
trabalhista, desenvolvidos ou em desenvolvimento, e os níveis de
empregabilidade e salarial. Primeira conclusão: a flexibilização não
gera emprego. Segunda conclusão: essa mesma flexibilização gera a
precarização do trabalho. Esse estudo é muito interessante. Traz por
exemplo o caso do México, onde houve uma hiperflexibilização. Lá houve a
troca de 1,2 milhão de empregos por prazo indeterminado por trabalhos
por prazo determinado. Além disso, a renda média, que era de dois a
cinco salários mínimos caiu para um a dois salários mínimos. Houve
efetivamente uma precarização, assim ocorreu na Espanha, Grécia e
Itália. Aí vem aquela pergunta. Se ocorreu isso no mundo inteiro por que
no Brasil seria diferente? Será que é o clima, a jabuticaba? Não faz
sentido.
Valor: O que poderia ser feito para gerar empregos?
Fleury: Algumas questões estão relacionadas à economia. O que gera
emprego é o aumento da demanda. Se sou empresa, só vou contratar mais se
eu precisar produzir mais. Não pelo baixo custo do trabalho. Outro
ponto é a crise econômica. Estamos passando por uma. Não há dúvida que
precisamos fazer algo. Nossa Constituição Federal já prevê, em momentos
de crise, a possibilidade do negociado se sobrepor ao legislado,
inclusive para diminuir salário. Para manter empregos e a empresa. O que
está sendo feito agora é uma solução definitiva fundada em um problema
temporário. É nos momentos de crise que o trabalhador mais precisa de
proteção. Há dez anos o Brasil era a sexta economia do mundo, com qual
legislação trabalhista? Essa mesma.
Valor: O senhor então acha que é uma questão econômica, nada a ver com a legislação trabalhista?
Fleury: Sim. Essa mesma legislação trabalhista está aí há tanto tempo.
Estava aí em épocas de crise e bonança. Vamos justamente pegar no
momento de crise e rasgar a legislação ou colocar situações absurdas
como a negociação individual? Como, por exemplo, um trabalhador de 51
anos poderá negar um convocação para trabalhar 12 horas por dia em uma
negociação individual? Se ele for demitido, no meio de uma crise, onde
ele encontrará emprego nessa idade? Com relação à negociação coletiva,
além do problema da representatividade sindical, da diversidade no país,
ainda tem a questão do enfraquecimento dos sindicatos com a retirada do
imposto. Eu sou contra o imposto sindical, mas temos que reformar o
sistema. Não está havendo reforma, mas uma tentativa de enfraquecimento
sindical.
Valor: O senhor vê algum ponto positivo no projeto?
Fleury: Da forma como está escrito, nada. Algumas questões eu penso que
poderiam ser melhor analisadas. Na questão das novas tecnologias, temos
que avançar. O teletrabalho já é um realidade. Mas não por meio dessa
regulamentação proposta, que é um absurdo. Não concordo com o texto
aprovado. O projeto só vê o lado do empregador. E pior: do mau
empregador.
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