A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NAS CONDENAÇÕES TRABALHISTAS
Sergio Ferreira Pantaleão
No Direito do Trabalho é comum as
empresas, tomadoras de serviços (que contratam empresas terceirizadas),
serem acionadas na justiça para responder, junto com a empresa
terceirizada que deixou de honrar com os compromissos trabalhistas e
previdenciários do empregado reclamante, pelos direitos eventualmente
reconhecidos numa ação trabalhista.
Nestes casos, a Justiça do Trabalho, uma
vez comprovado que a empresa terceirizada deixou de pagar algum direito
ao trabalhador, condena subsidiariamente a empresa tomadora a arcar com os prejuízos, caso a empresa terceirizada não pague os valores estabelecidos na sentença trabalhista.
Este instituto é conhecido como
"responsabilidade subsidiária", ou seja, é a possibilidade, imposta pela
lei, de fazer com que o tomador de serviços, que se beneficiou dos
serviços prestados por um empregado terceirizado que teve seus direitos
violados pela empresa que o contratou (terceirizada), pague
subsidiariamente pelos prejuízos causados ao trabalhador.
A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto às obrigações trabalhistas para as empresas em geral está disciplinada pelo inciso IV da Súmula 331 do TST que assim dispõe:
SUM 331 TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
(...)
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Esta
responsabilidade subsidiária imposta para as empresas em geral não é
aplicada da mesma forma para a Administração Pública (entes públicos),
pois o art. 71 da Lei 8.666/93 (lei das licitações), dispõe que a
inadimplência do contratado (terceirizado), não transfere à
Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nos
seguintes termos:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
Em que pese tal dispositivo não atribua a
subsidiariedade para a Administração Pública, há que se considerar,
antes de se isentar o ente público, se houve negligência por parte da
Administração Pública na fiscalização no cumprimento das obrigações
contratuais pela prestadora de serviços.
Como se sabe, o ente público só realiza o
pagamento dos serviços prestados para a empresa prestadora de serviços
mediante a apresentação de todos os documentos legais que comprovam que a
mesma está quite com suas obrigações legais (pagamento de salários, FGTS, contribuições previdenciárias, Imposto de Renda e etc.).
Portanto, o art. 71 da lei de licitações
não pode ser interpretado de forma literal, mas condicional à obrigação
da Administração Pública em fiscalizar e garantir o cumprimento das
obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte da empresa
prestadora de serviços.
Neste sentido está o entendimento sumulado pelo TST, que assim dispõe no inciso V da Súmula 331:
SUM 331 TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.(...)V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
Não são raros os casos de empresas que
abrem suas portas hoje, ganham a licitação para prestar serviços para a
Administração Pública e, ao final do contrato com o ente público,
simplesmente desaparecem sem quitar integralmente as obrigações para com
o trabalhador.
A interpretação do art. 71 da Lei
8.666/93 e do inciso V da Súmula 331 do TST gerou inúmeras discussões
judiciais no âmbito trabalhista, onde de um lado o trabalhador
(reclamante) que busca satisfazer seus direitos violados e de outro, o
ente público que busca se livrar da obrigação subsidiária.
Atualmente estas discussões estão no Supremo Tribunal Federal (STF), através do
Recurso Extraordinário (RE) 760931, com repercussão geral reconhecida,
no qual se discute a responsabilidade subsidiária da Administração
Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa
terceirizada.
A decisão vinculativa do STF na ADC 16 (que julgou constitucional
o art. 71 da Lei 8.666/93) não tem o condão
de tornar legal atos ilegais da Administração Pública (como a falta de
fiscalização efetiva), principalmente quando
se comprova que tais atos ferem diretamente as cláusulas pétreas (que
protegem o trabalhador) dispostas na Constituição Federal, tais como o
princípio da dignidade da pessoa humana, a valorização social do
trabalho e a livre iniciativa (art. 1º, incisos
III e VI).
Não basta
que o Ente Público apenas solicite os
documentos da prestadora de serviços, é
preciso que analise legalmente e faça auditoria mensal nos comprovantes
apresentados,
bem como tome medidas necessárias de modo a coibir a inadimplência das
obrigações trabalhistas e previdenciárias, sob pena da Administração ser
condenada no pagamento das obrigações de forma subsidiária.
Como já comentado, o plenário do STF deu
início ao julgamento do RE 760931, e sua decisão irá repercutir nos
milhares de processos sobrestados (processos suspensos até o julgamento
de repercussão geral) no TST que estão à espera da decisão do STF,
conforme notícia abaixo.
STF INICIA JULGAMENTO SOBRE
RESPONSABILIDADE DE ENTE PÚBLICO EM CASOS DE TERCEIRIZAÇÃO
O Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) deu início, nesta quinta-feira (2), ao julgamento do Recurso
Extraordinário (RE) 760931, com repercussão geral reconhecida, no qual
se discute a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por
encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa
terceirizada. O RE foi interposto pela União contra decisão do Tribunal
Superior do Trabalho que manteve a condenação da União pelo pagamento de
verbas trabalhistas devidas a uma recepcionista contratada para prestar
serviços na Procuradoria Regional Federal em Mogi das Cruzes (SP). Até o
momento, apenas a relatora, ministra Rosa Weber, apresentou voto, no
sentido do desprovimento do recurso da União.
A ministra fundamentou seu voto na decisão do STF na Ação Declaratória de constitucionalidade (ADC) 16, que julgou constitucional
o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações), que
veda a transferência automática à Administração Pública dos encargos
trabalhistas resultantes da execução de contrato de prestação de
serviços. Mas, segundo a relatora, não fere a Constituição a
responsabilização do Poder Público em caso de culpa comprovada em
relação aos deveres legais de acompanhar e fiscalizar o contrato de
prestação de serviços.
Na compreensão da ministra Rosa Weber,
embora todas as partes devam colaborar para que se obtenha decisão justa
e efetiv, o ônus probatório deve ser da Administração Pública. Para
ela, é desproporcional exigir que os trabalhadores terceirizados provem o
descumprimento do dever legal do tomador de serviços em relação à
escolha do prestador (culpa in eligendo) e à fiscalização do contrato
(culpa in vigilando). “Se as necessidades da contratante são atendidas
por esses trabalhadores, nada mais justo que o ônus decorrente da falta
de fiscalização da execução do contrato recaia sobre o maior beneficiado
pela mão-de-obra ofertada”, afirmou. “A força de trabalho, uma vez
entregue, não pode ser reposta, e a falta de contraprestação devida,
independentemente de quem venha a arcar com esse pagamento, transforma o
terceirizado em escravo moderno”.
Segundo a relatora, toda a sociedade, de
alguma forma, é beneficiada com o trabalho terceirizado junto ao ente
público, e por isso é razoável que este seja responsabilizado se não
cumprir seu dever de fiscalização. “Admitida conduta diferente, a
prestadora de serviços receberia da administração pública carta branca
para o desempenho do contrato, podendo inclusive ignorar e desrespeitar
os direitos laborais consagrados”, completou.
Assim, a relatora negou provimento ao RE e propôs a seguinte tese de repercussão geral:
“Não fere o texto constitucional a
imputação de responsabilidade subsidiária à administração pública pelo
inadimplemento, por parte da prestadora de serviços, das obrigações
trabalhistas, em caso de culpa comprovada, em relação aos deveres legais
de acompanhamento e fiscalização do contrato de prestação de serviços,
observados os princípios disciplinadores do ônus da prova”.
Repercussão geral
A responsabilidade subsidiária da
Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo não
pagamento de verbas trabalhistas por prestadoras de serviços é o tema
com maior número de processos sobrestados no Tribunal Superior do
Trabalho, à espera da definição do STF.
O sobrestamento ocorre quando o STF, no
exame de um recurso extraordinário, reconhece a existência de
repercussão geral na matéria constitucional
discutida – ou seja, entende que o tema é relevante do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico e ultrapassa os interesses
apenas das partes envolvidas. O entendimento adotado neste recurso
(chamado de "leading case", ou caso paradigma) será aplicado a todos os
demais processos que tratem da mesma matéria. Processo original: AIRR-100700-72.2008.5.02.0373.
Sergio Ferreira Pantaleão é Advogado, Administrador, responsável técnico pelo Guia Trabalhista e autor de obras na área trabalhista e Previdenciária.
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