O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência.
Muito já foi dito sobre a reforma da previdência. De um lado,
defensores da reforma apontam o déficit da previdência como motivo determinante
da reforma. Do outro, especialistas apontam que essa conta desconsidera as
demais fontes de recursos do Orçamento de Seguridade Social, bem como as
renúncias fiscais do governo. Sobre o tema, sugiro a leitura da cartilha
elaborada pela AFFIP aqui, ou que assistam esse vídeo (esse texto também é bastante didático e esse).
O que me motivou a escrever esse artigo,
contudo, foi um gráfico que consta na exposição de motivos da PEC 287/16 (Pág. 17). Para justificar a escolha cabalística
do número 65 como idade para aposentadoria, Meirelles apresenta o seguinte
gráfico elaborado com dados da OCDE (2012):
Figura 1. Fonte: Exposição de Motivos PEC 287/16. Dados da
OCDE 2012.
Analisando o gráfico, vemos que, de fato, a grande maioria dos
países da OCDE utilizam como idade mínima para aposentadoria a idade de 65
anos. (Não vou nem comentar que há dados incorretos no gráfico, como o fato de
que, no Japão, a idade mínima para aposentadoria está subindo 4 meses por ano e
só vai chegar em 65 no ano de 2025 — sim, daqui a nove anos — para saber mais sobre
o tema, sugiro essa notícia ou esse
levantamento.)
O que Meirelles deixa de fora da exposição de
motivo são outras informações sobre esse outro grupo de países. Eu não vou nem
entrar em diferenças socioeconômicas, distribuição de renda, custo de vida etc.
Quando se fala de idade mínima de aposentadoria, a primeira coisa que
me vem na cabeça é expectativa de vida. Ou seja, quantos anos, em
média, as pessoas ficam aposentadas antes de morrer? Quantos anos, em média, um
indivíduo poderá desfrutar de sua aposentadoria, depois de ter passado uma vida
trabalhando e contribuindo para a previdência?
Para analisar isso, levantei os dados da Organização Mundial da Saúde/ONU sobre expectativa
de vida nos países do gráfico acima que tem a idade mínima para aposentadoria
de 65 anos. Vejamos então qual é a expectativa de vida em cada um desses
países, comparando com dados do Brasil, Eslováquia e Turquia (onde as pessoas
se aposentam com menos de 65 anos):
Figura 2. Fonte: OMS/ONU. Elaborado pelo Autor.
Vemos que a expectativa de vida média dos países que delimitaram
em 65 anos o corte para a aposentadoria é de 81,2 anos, versus a expectativa de
vida de 75 anos no Brasil. Ou seja, indivíduos desses países deverão
viver 6,2 anos a mais do que um cidadão brasileiro. Será que ainda faz
sentido igualar a idade de aposentadoria para a média deles?
Percebam que na Turquia, a expectativa de vida
não chega aos 76 anos e na Eslováquia não chega aos 77. As idades mínimas de
aposentadoria nesses países é de, respectivamente, 60 e 62 anos. Expectativas
de vida menor, idade mínima para aposentadoria menor. Isso faz sentido, não
faz? Aparentemente, não para o governo.
A situação fica mais complicada quando
aplicamos o fator HALE (Health Adjusted Life Expectancy ou
Expepectativa de Vida Ajustada pela Saúde, em tradução livre). O fator HALE é
uma conta complexa que abate proporcionalmente da expectativa de vida doenças
ou limitações de saúde dos indivíduos.
Imaginemos um caso de um indivíduo que tenha
Alzheimer aos 76 anos e passe os próximos 6 anos sendo gradativamente afetado
pela doença. Apesar de o indivíduo ter sobrevivido até a idade de 82 anos,
esses últimos anos de sua vida foram cada vez menos aproveitados, por conta da
doença. Da mesma forma, alguns indivíduos perdem gradativamente a visão com a
velhice. Apesar de importante, contudo, sem a visão é possível ter uma vida
bastante agradável, caso o resto da saúde esteja OK. Dessa forma, o cálculo
HALE atribui um peso maior a doenças mais debilitantes, enquanto que
impedimentos menores influenciam menos na expectativa de vida.
De uma maneira resumida, podemos entender a
tabela a seguir como a expectativa de vida com saúde por país. Os dados também
são da OMS/ONU. A faixa vermelha representa a idade de aposentadoria sugerida
pelo governo de 65 anos.
Figura 3. Fonte: OMS/ONU. Elaborado pelo Autor.
O que esse gráfico evidencia é um triste futuro que ou não foi
considerado na hora da definição dessa idade mínima ou foi seletivamente
ignorado.
Vemos que nos países escolhidos como modelo a
expectativa de vida com saúde (HALE) é sempre maior do que a idade de
aposentadoria. Na média, temos que nesses países um indivíduo ainda
terá 6,5 anos com saúde para aproveitar sua aposentadoria antes de ser
acometido por alguma doença ou impedimento. No Brasil, na média, um
indivíduo teria 6 meses. Isso mesmo, 6 anos lá, 6 meses aqui.
Essa constatação é tão absurda que merece mais
um gráfico para mostrar o tamanho do erro ao comparar o Brasil com esses
países. Lembrando que para Turquia e Eslováquia, o corte de 65 anos no gráfico
acima não ocorre, o corte ocorre em 60 e 62 anos. Com isso, temos a seguinte
quantidade de anos com saúde após a aposentadoria, por país:
Figura 4. Fonte: OMS/ONU. Elaborado pelo Autor.
Esse gráfico mostra claramente que o Brasil com uma idade
de aposentadoria de 60 anos está na média de uma sobrevida com saúde após a
aposentadoria. Da mesma forma, a Turquia e a Eslováquia também parecem
manter relação entre a expectativa de vida de suas populações e suas idades de
aposentadoria. Reparem nos míseros seis meses do Brasil, caso aprovada a nova
idade mínima de 65 anos, representados por um pontinho vermelho no gráfico.
Isso significa que a PEC 287/16 tem o
potencial de transformar o Brasil no pior país, dentre os analisados, para se
aposentar. Em outras palavras: muitos brasileiros sequer irão se
aposentar, enquanto outros irão se aposentar nas beiras de problemas sérios de
saúde que os deixarão incapacitados de ter uma vida plena até morrerem.
Ainda dá tempo, contudo, de impedir essa
realidade. A PEC 287/16 está tramitando pelo Congresso Nacional. Para ser
aprovada, deve obter votos favoráveis de três quintos dos senadores e
deputados, com duas sessões em cada casa. Com alguma sorte, e muita pressão
popular, talvez nossos congressistas deem ao assunto a importância que ele
merece, analisando todas as facetas da questão antes de tomar uma decisão
precipitada.
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