EMPREGADOR COM "MAL DE ALZHEIMER" TEM EXECUÇÃO TRABALHISTA ANULADA PARA PODER SE DEFENDER
Fonte: TRT/MG - 14/11/2016 - Adaptado pelo Guia Trabalhista
Recentemente,
a 10ª Turma do TRT de Minas julgou um caso em que se constatou que o
réu na ação trabalhista sofria do "mal de Alzheimer". No recurso
analisado pela Turma, a reclamante não se conformava com a sentença que
rejeitou seu pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com o réu e de pagamento dos direitos trabalhistas decorrentes.
Mas,
acolhendo o entendimento da relatora, desembargadora Rosemary de
Oliveira Pires, a Turma declarou, de ofício, a nulidade absoluta dos
atos praticados desde a audiência inaugural e determinou o retorno do
processo à Vara de origem, para que fosse nomeado curador especial ao
reclamado, em obediência aos artigos 4º, III, do CC/02 e 76, I, do Novo
CPC.
Código Civil
"Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:(...)III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;"
Novo Código de Processo Civil
Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.(...)I - o processo será extinto, se a providência couber ao autor;
É que ficou constatado que, embora o réu
fosse pessoa absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da
vida civil (art. 3º, II, do CCB), não houve nomeação de curador especial
para acompanhar o processo, na forma exigida do antigo artigo 8º do
CPC/73, correspondente ao artigo 71 do novo CPC.
Entendendo o caso: A execução do réu, portador de Alzheimer
Alegando
ter trabalhado para o réu, Sr. Luiz, a reclamante buscou o
reconhecimento de vínculo de emprego, com o pagamento dos direitos
decorrentes.
Já na audiência inaugural, o Sr. Luiz
não compareceu, tendo sido substituído por sua cunhada e sobrinha. Elas
afirmaram que ele estava doente, sem condições de gerir sua pessoa e
bens, encontrando-se interditado. Inclusive, apresentaram um documento
em que um médico sugeria o urgente encaminhamento do réu, então com 72
anos, à assistência social, para que fosse alojado em casa de idosos,
porque apresentava sinais de Alzheimer. O profissional explicou que o
Sr. Luiz morava sozinho e não tinha condições de cuidar de sua pessoa e
bens.
Diante disso, o juiz concedeu um prazo
para que a sobrinha e cunhada do réu apresentassem o documento
comprovando a interdição, mas elas não o fizeram. Determinou-se, então, a
intimação do réu por mandado judicial, realizada na pessoa do seu
irmão. Mas, mais uma vez, o Sr. Luiz não compareceu à audiência marcada
para a instrução do processo e, assim, o juiz declarou sua revelia,
aplicando a ele a pena de confissão. Resultado: foi reconhecido o
vínculo de emprego pretendido pela reclamante e o réu foi condenado a
lhe pagar as parcelas trabalhistas decorrentes.
Após o trânsito em julgado da sentença, o
valor do crédito da reclamante foi apurado em R$20.851,71 e o Sr. Luiz
foi intimado para pagá-la, no prazo de 5 dias, sob pena de execução e
cadastro no BNDT (Banco Nacional de Devedores Trabalhistas). Mas,
permanecendo inerte o réu, expediu-se mandado de penhora de bens
para a garantia da execução. Ao comparecer na residência do Sr. Luiz
para cumprir o mandado, o oficial de justiça se deparou com quadro
trágico, narrado em sua certidão:
"Deixei
de proceder à penhora de bens do executado Luiz, por não encontrá-los à
garantia da execução. Esclareço que trata-se de endereço da residência
do Sr. Luiz, que se encontra em péssimo estado de conservação e é
guarnecido ao mínimo necessário à sua sobrevivência. Esclareço mais, é
idoso, apresenta-se com algum distúrbio mental (AVC?), tendo declarado
morar sozinho, ser aposentado por invalidez e uma parente (cunhada) toma
conta de sua alimentação, não sabendo precisar idade e não sabendo
informar corretamente o nome da cunhada (...). E mais, segundo a Sra.
Maria Gonçalves, que mora na proximidade, o Sr. Luiz é portador de mal
de Alzheimer, não possuindo nenhum bem, móvel ou imóvel, sendo que a
casa onde mora pertence aos herdeiros de Geraldo Cornélio Ramos,
sobrevivendo com auxílio doença (LOAS) e ajuda humanitária".
Procedeu-se então ao bloqueio das contas
bancárias do réu, via Bacenjud, tendo sido penhorado o valor R$685,57,
após o que o Sr. Luiz se manifestou para requerer insubsistência da
penhora, invocando a impenhorabilidade na forma do art. 833, IV do Novo
CPC, por se tratar da única conta bancária que possuía e através da qual
recebia o seu benefício de aposentadoria, sua única fonte de sustento.
Nulidade da citação
Finalmente, tendo em vista a Semana
Nacional da Conciliação Trabalhista, foi realizada audiência de
conciliação, na qual, dessa vez, esteve presente apenas o Sr. Luiz. Foi
quando o juiz de primeiro grau decidiu anular o processo desde a
citação, determinando a realização de nova audiência inaugural e
liberação do dinheiro bloqueado, ao constatar que a citação do Sr. Luiz
havia sido feita na pessoa de terceiro, seu irmão.
Em sua decisão, o magistrado ressaltou
que, apesar da doutrina e jurisprudência admitirem a citação não pessoal
na Justiça do Trabalho, o caso concreto requer posição diferente: "O
reclamado é pessoa física, de poucos recursos, com problemas de fala e
audição. Além disso, não há prova de que o Sr. Tito, que recebeu a
citação, informou-lhe sobre a audiência. Tenho, assim, que a citação de
f. 22 é NULA e sendo esta nulidade absoluta, pode e deve ser conhecida
de ofício pelo Juiz", destacou, na sentença.
Mas a
coisa não parou por aí. Após a reclamante recorrer da decisão e não ter
seu apelo conhecido, por vícios formais, foi realizada nova audiência de
instrução, na qual compareceram a reclamante e sua advogada e o
reclamado desacompanhado de advogado. A defesa foi oralmente apresentada
pelo réu com assistência de sua sobrinha, oportunidade em que a
reclamante requereu a aplicação da pena de confissão ficta ante a deficiência da defesa apresentada.
Posteriormente,
na audiência em prosseguimento, novamente compareceu a reclamante com
seu procurador e apenas a advogada do Sr. Luiz, a qual apresentou
atestado médico justificando a ausência do seu cliente, que se
encontrava "acamado com impossibilidade de andar devido a fratura no
fêmur esquerdo".
Finalmente, ambas as partes compareceram
em nova audiência de instrução na qual a reclamante prestou depoimento
pessoal e ouviu-se como informante a testemunha
do réu. Especificamente com relação ao depoimento pessoal do Sr. Luiz, o
juiz de primeiro grau fez constar em ata observações bastante
esclarecedoras quanto ao seu estado de saúde: o réu é um senhor de idade
que encontra-se numa cadeira de rodas e não consegue compreender as
perguntas que lhe são formuladas; embora lhe tenha sido perguntado o
número de vezes que a reclamante lhe prestava serviços, ele enumerava
fatos sem ligação com a causa, como algo sobre hospital ou sobre sua
condição de saúde. Em seguida, o magistrado proferiu sentença, em que
julgou improcedentes os pedidos da reclamante.
Recurso da reclamante
Inconformada com a improcedência dos
pedidos, a reclamante recorreu da sentença. Em síntese, alegou a
validade da citação do Sr. Luiz e pediu que se regularizasse a
representação processual, já que ele estava em cadeira de rodas e não
conseguia compreender as perguntas que lhe eram feitas. Pediu, ainda,
que fosse reconhecida a confissão do réu, em razão da deficiência da
defesa apresentada por ele, com a procedência dos pedidos formulados na
ação. Mas, a Turma acolheu os fundamentos da relatora e foi por outro
caminho.
Réu com doença incapacitante: ausência de curador para acompanhar o processo gera nulidade absoluta
Conforme
ressaltou a desembargadora, com a publicação do Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Lei nº 13.146/ 2015), foram revogados os incisos I, II e
III do artigo 3º do Código Civil de 2002, que trata das pessoas
absolutamente incapazes, e introduzido ao artigo 4º, que dispõe sobre as
pessoas relativamente incapazes, considerando como tais: "aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade" (art. 4º, III).
Prosseguindo em sua análise, a relatora
registrou que, de acordo o artigo 70 do Novo CPC, (correspondente ao
artigo 7º do CPC/73), possui capacidade processual, ou seja, capacidade
para estar em juízo: "Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos". Já o artigo 71 do Novo CPC (antigo art. 8º do CPC/73) dispõe que: "O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei".Neste mesmo sentido, o artigo 84, §1º da Lei 13.146/2015: "Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei".
No caso, ficou demonstrado que o Sr.
Luiz, réu na ação, é senhor de idade (72 anos), portador de doença grave
(Alzheimer), que o impossibilita de exercer os seus direitos sem a
devida assistência. Tanto que o estado do réu constatado em audiência,
foi justamente o argumento utilizado pelo juiz de primeira instância
para declarar nula a citação e anular todos os atos processuais até ali
praticados. Diante desse quadro, a julgadora ponderou que deveria ter
sido nomeado curador especial para acompanhar processo, o que não foi
feito, culminando na nulidade de todos os atos processuais.
"Constatando-se
no decorrer do processo que uma das partes apresenta dificuldade na
compreensão dos seus atos e falta de discernimento quanto aos fatos
tratados no processado, inserindo-se na hipótese prevista no artigo 4º,
III do CC/02 supra, deve o julgador, com vistas a regularizar a
representação processual da parte, nomear curador especial para
acompanhar o processo, na forma do artigo 9º do CPC/73 (atualmente
disposto no art. 72 do Novo CPC), sob pena de nulidade de todos os atos
processuais praticados nos autos, visto se tratar de vício insanável", destacou
a desembargadora, em seu voto. É que o inciso I do aludido artigo 9º
(atual art. 72) estabelece a obrigação de o juiz nomear curador especial
ao incapaz despido de representante legal (curador), o que se amolda
perfeitamente ao caso julgado.
Por fim, a desembargadora lembrou que a
irregularidade verificada no caso, por defeito de representação de
incapaz, configura nulidade absoluta e, sendo assim, pode ser levantada
de ofício (independente de pedido da parte) e em qualquer instância. Por
tais razões, acolhidas pela Turma revisora, foi reconhecida, de ofício,
a nulidade de todos os atos praticados no processo desde a audiência
inaugural, determinando-se seu retorno à Vara de origem para que fosse
nomeado curador especial ao reclamado, após o quê, o processo deverá
prosseguir, como se entender de direito. Processo 00116-2014-102-03-00-7 RO - acórdão em 24/08/2016.
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