O Assédio sexual nas relações de trabalho

Ab initio, antes de adentrarmos sobre a matéria do assédio sexual no ambiente de trabalho, é fundamental entendermos o contexto histórico de distinções ocorridas entre os homens e as mulheres, para podermos então entender o porquê de as mulheres sofrerem tanta discriminação e serem as pessoas a sofrerem mais com essa questão do assédio sexual.
Nesse aspecto, podemos estabelecer que desde a época das primeiras civilizações, os homens sempre tiveram uma superioridade em relação às mulheres, pois a este era destinado o direito de passear livremente, com a liberdade de um ser superior, enquanto que as mulheres sempre viveram em um destino menos amplo daqueles.
É nessa perspectiva, que o gênero feminino foi colocado num local de desprestigio em relação aos homens, pois estas eram dominadas por eles, sendo esse domínio devidamente fortalecido por meio da própria igreja, filosofia e sociedade, ficando esse fenômeno devidamente reconhecido na história como patriarcalismo.
Dessa maneira, bem salienta Juliana Jorge Mesquita (2009, p.14) ao estabelecer sobre a questão de como as mulheres exerciam um importante papel antigamente e logo depois perderam a superioridade para os homens, ao dispor da seguinte maneira:
Em organizações sociais antigas as mulheres eram vistas como as matriarcas, as chefes do clã, eram elas que geravam vida, por isso, viam-se cultuadas pelas religiões. No entanto, quando o homem percebeu que o seu sêmen “germinava” a mulher, criou-se a concepção de ser ela mero “deposito” do homem, a partir disto considerou-se que a mulher seria simplesmente um sujeito passivo, que não participaria ou opinaria na vida da família, posto que era apenas o “receptáculo”.
Inclusive, vigorando ainda mais esse pensamento de dominação do homem em relação à mulher, tem o fato de que este possuía o símbolo da virilidade, onde era considerado como questão de orgulho para a sociedade desenhada nas bases do patriarcalismo.
Dessa forma, o homem era considerado o chefe de família devendo todos os demais obedecer incondicionalmente, inclusive a sua mulher. Os homens eram quem trabalhavam e ocupavam os cargos públicos, além de ter livre acesso à educação. Assim, a divisão social do trabalho era consubstanciada a partir do elemento sexo, fazendo com que desse início a discriminação sofrida pelas mulheres até os dias atuais.
Com isso, as únicas funções desempenhadas pelas mulheres eram na realização de ser uma boa esposa, de saber cuidar de uma casa e ser prendada, além de ser uma boa procriadora. Assim, podemos salientar os ensinamentos de Juliana Jorge Mesquita (2009, p.14), ao abordar sobre a discriminação produzida pela diferença sexual, ao dispor que:
Transformando a diferença sexual em diferença discriminante, motivo de depreciação da mulher, e por ser “improdutiva” – não produzir riquezas pela impossibilidade de sua situação (a qual deveria sempre se resguardar do mundo, do exterior), restava à mulher se render aos acontecimentos que a rodeava à escolha pelo pai do seu marido, a posse do marido de seu corpo, da sua força de trabalho, da sua vida, caso contrário poderia ser devolvida à família ou simplesmente abandonada.
Com o advento da Revolução Industrial a participação da mulher no mercado de trabalho passou a ser considerada fundamental, pois no sistema capitalista, viam nas mulheres uma força de trabalho mais barata, demonstrando uma total discriminação em relação aos homens que ganhavam muito mais para o desempenho das mesmas atividades.
Dessa forma, o início do assédio sexual ocorreu principalmente em razão pela falta de legislação estabelecida pelo Estado, para regulamentar o trabalho desenvolvido por homens e mulheres, onde os patrões pagavam as mulheres pelo seu trabalho o quanto e da maneira que queriam.
O assédio sexual no ambiente de trabalho é caracterizado como sendo o constrangimento por meio de cantadas, dentre outros, realizadas de maneira constante, com a finalidade de obter vantagens sexuais ou favorecimento. Nesse aspecto, essas insinuações podem ocorrer de maneira clara ou ainda sutil, ocorrendo de duas maneiras distintas, por meio de coação ou ainda com a chantagem.
A coação ocorre quando se promete uma promoção para a mulher, e ela cede ao assédio, já nos casos de chantagem está é considerada como um ato criminoso previsto pela legislação penal. As formas de ocorrência do assédio sexual no ambiente de trabalho são as mais variadas possíveis, sendo a primeira delas no caso do próprio empregador com o seu subordinado, demonstrando uma relação de poder hierárquico entre ambos, onde geralmente a vítima acaba cedendo, pois possui o medo de ser demitido ou perder os seus direitos.
A segunda forma de acontecimento do assédio é quando ocorre do preposto do empregador e o empregado, gerando como consequência a dispensa indireta do empregador por atentar contra a honra e boa fama do empregado, conforme previsto no artigo 483, e1, da Consolidação das Leis do Trabalho, além das possíveis reparações civis.
O assédio sexual no ambiente de trabalho também ocorre entre o empregado e os seus colegas de trabalho, evidenciando que esses casos somente não decorrem da relação de poder. Com isso, as consequências geradas para os assediadores serão uma punição disciplinar ou ainda uma dispensa por justa causa, tendo como fundamento a sua incontinência de conduta, devidamente prevista no artigo 482, b2, da CLT.
Por fim, temos uma modalidade de assédio sexual que não ocorre com bastante frequência, mas se demonstra tão fundamental como as demais modalidades como nos casos em que empregado com a sua superiora hierárquica, gerando como consequências a sua demissão por justa causa e ainda reparações civis. A legislação brasileira sobre o assédio sexual no ambiente de trabalho é um pouco deficiente, na medida em que, não estipula uma regulamentação específica dentro do direito do Trabalho.
Entretanto, com o advento da Lei nº 10.224/01, que introduziu no próprio Código Penal, a tipificação da conduta de assédio sexual como um novo crime, em seu artigo 216-A3, aplicando como espécie de sanção, uma pena de detenção de 1 a 2 anos.
1 Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
2 Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
3 Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Nesses termos, podemos aduzir o entendimento consubstanciado por Amauri Nascimento e Sônia Nascimento (2014, p.1.272), ao estabelecer sobre a tipificação do assédio sexual no Código Penal, e as consequências determinadas dentro do direito do trabalho, da seguinte maneira:
Nossa legislação sobre o tema, apesar de um pouco tardia, prevê sanções tanto para o assediador quanto para o empregador que for conivente ou omisso a esse tipo de conduta. Na esfera penal, o assédio sexual vem regulado no art. 216-A do Código Penal, prevendo pena para o assediador de um a dois anos de detenção. Já na esfera trabalhista, o assediado tem direito à rescisão indireta de contrato, tendo também o empregador responsabilidade objetiva e subsidiária em caso de indenização por dano moral por assédio cometido por seu preposto.
Dessa maneira, o que está devidamente estabelecido no dispositivo normativo penal são os casos em que ocorre em função da posição hierárquica superior do agente assediador, em relação à vítima no qual exerce cargo ou função inferior a daquele, sendo utilizado de ameaças sobre a perda do seu emprego ou ainda dos seus direitos trabalhistas.
Já em relação ao Direito do Trabalho, a questão do assédio sexual, segundo as normas estabelecidas pela CLT, determina que o empregador possa demitir por justa causa o empregado que cometer algum comportamento faltoso previsto no artigo 4824, estando o assédio sexual inserido entre um desses comportamentos previstos, na incontinência de conduta.
Assim, o assédio sexual ocorrido no ambiente de trabalho deve ser compreendido como sendo uma violação aos direitos da mulher em relação a segurança no trabalho e na igualdade de oportunidades.
As pessoas nas quais são vítimas do assédio sexual no ambiente de trabalho, sofrem com determinados prejuízos sérios, pois tal fato vai ocasionar pra assediada uma grande perturbação psicológica, fazendo com que a mesma venha a refletir sobre todos os aspectos de sua vida, incluindo nesta não somente as questões atinentes ao próprio trabalho, mas também as relacionadas à sua vida particular, sendo devastador para esta.
Um dos primeiros prejuízos ocasionados na vítima está diretamente ligado ao seu trabalho, que é justamente a falta de concentração. Isso ocorre principalmente pelo fato da mesma não se sentir segura naquele ambiente, gerando uma grande pressão psicológica, fazendo com que seja um fator determinante para a diminuição da produtividade da vítima.
Dessa maneira, no ambiente de trabalho a insegurança por parte da assediada é muito grande, tendo em vista que, o assediador faz constantemente todo tipo de ameaça, demonstrando que ele gosta de abusar e exercer o seu poder, se colocando acima da dignidade da assediada, fazendo pedidos de cunho estritamente sexual.
Nesse sentido, podemos demonstrar os ensinamentos estabelecidos por Ernesto Lippman (2005, p. 23) ao abordar sobre os comentários feitos pelo assediador da seguinte maneira:
[...] comentários ousados sobre a beleza, os dotes físicos, ou ter aspectos físicos com toques indesejados, por abraços mais prolongados que o costume autoriza. Também se caracteriza por atos inadequados no ambiente de trabalho, como mostrar ou enviar por e-mail fotos pornográficas aos subordinados, a solicitação de caráter claramente sexual, conversas repetidas que girem sobre temas eróticos, perguntas embaraçosas sobre a vida pessoa do subordinado, com conotação sexista, ou ainda pedidos para que a empregada se vista de maneira mais provocante ou sensual.
Assim, podemos determinar que essa questão do assédio sexual no próprio ambiente de trabalho é
O entendimento jurisprudencial consubstanciado pelos Tribunais Regionais do Trabalho está pautado no sentido de que o assédio sexual no ambiente de trabalho gera o dever de indenizar pelos danos morais ocasionados, como podemos extrair do seguinte julgado:
"DANO MORAL. ASSEDIO SEXUAL. CONVITE REJEITADO SEGUIDO DE DESPEDIDA. Comprovado nos autos o assédio sexual por testemunha conduzida pela reclamante sem contraprova que pudesse ter produzido a reclamada, ter sido convidada para sair à noite, no posto de trabalho, por preposto da empresa, responsável por conduzi-la ao local em que prestaria seus serviços e fiscalizar lhe as tarefas realizadas, sob alegação de que se recusando seria dispensada, tendo se negado e, no dia seguinte, após esse preposto ter brigado com a autora, sido dispensada pelo supervisor. Faz jus à indenização por danos morais em razão do assédio perpetrado por superior hierárquico, constrangendo a autora porque detinha o poder de manter íntegro o pacto laboral, o poder de lhe possibilitar prosseguir trabalhando e percebendo salários, dos quais necessitava para fazer frente às suas despesas. Recurso provido." (TRT-2 - RECORD: 1715200504702005 SP 01715-2005-047-02-00-5, Relator: SÔNIA APARECIDA GINDRO, Data de Julgamento: 25/05/2010, 10ª TURMA, Data de Publicação: 07/06/2010).
Nesse mesmo sentido, podemos apresentar outra jurisprudência bastante interessante, do Superior Tribunal de Justiça, apresentada pela Ministra Nancy Andrighi, ao abordar sobre a questão do conflito de competência entre a justiça comum e a trabalhista para julgar uma ação de compensação por danos morais decorrentes de assédio sexual no ambiente de trabalho, ao dispor que:
PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL E TRABALHISTA. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL EM AMBIENTE DE TRABALHO. EMPREGADO DOMÉSTICO. 1. Compete à Justiça Trabalhista processar e julgar ações de compensação por danos morais decorrentes de assédio sexual praticado contra empregado doméstico em seu ambiente de trabalho, ainda que por parte de familiar que nesse não residia, mas que praticou o dano somente porque a ele livre acesso possuía. 2. Na configuração do assédio, o ambiente de trabalho e a superioridade hierárquica exercem papel central, pois são fatores que desarmam a vítima, reduzindo suas possibilidades de reação. 3. Nas relações domésticas de trabalho há hierarquia e subordinação não apenas entre a pessoa que anota a Carteira de Trabalho e Previdência Social e o empregado doméstico, mas também na relação desse com os demais integrantes do núcleo familiar. 4. Conflito conhecido para o fim de declarar a competência do JUÍZO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE JAÚ - SP, juízo suscitante. (STJ - CC: 110924 SP 2010/0041857-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/03/2011, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 28/03/2011).
Dessa forma, podemos entender pela ementa apresentada acima que, apesar da matéria ser relativa aos danos morais, está deverá ser processada na Justiça Trabalhista, pois os danos ocasionados são decorrentes do assédio sexual sofrido pela vítima em seu ambiente de trabalho.
Além do mais, o presente julgado demonstra como sendo fundamental para a caracterização do assédio sexual ocorrido no ambiente de trabalho, com que haja a questão da superioridade hierárquica, tendo em vista que, está desarma a vítima em relação à apresentação de uma possível reação.
O mesmo julgado ainda reconheceu que deve sempre existir uma chamada hierarquia e superioridade, mesmo em relação às pessoas nas quais integram o grupo familiar e a empregada doméstica, e não somente com aquele que assina a carteira.
Nesse contexto, podemos concluir que o assédio sexual ocorrido no ambiente de trabalho gera inúmeras consequências a depender do fato, podendo ser considerado como crime do art. 216-A do CP, nos casos do assediador ser um agente hierárquico superior à vítima, e esse assédio ocorra em função do poder hierárquico.
No caso do preposto do empregador gera o direito a dispensa indireta do empregador, além das reparações cíveis, e no caso do empregado colega de trabalho, este pode ser demitido por justa causa ou sofrer punição disciplinar, além das reparações cíveis.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência: CC 110924 SP 2010/0041857-0. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudecia/18719372/ conflito-de-competencia-cc-110924-sp-2010-0041857-0 Acesso em: 23 de maio de 2015.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Recurso Ordinário: Record 1715200504702005 SP 01715-2005-047-02-00-5. Disponível em: http://trt-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15293623/recursoordinariorecord1715200504702005-sp-01715-2005-047-02-00-5?ref=topic_feed. Acesso em: 23 de maio de 2015.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 12.ª ed. São Paulo: LTr, 2013.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 8.ª ed. Rev. Atual. E amp. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
LIPPMAN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho. 2.ª ed. Rio de Janeiro: LTr, 2005.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24.ª ed. São Paulo: Atlas S. A., 2008.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Curso de direito do trabalho. 29.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
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