Nomeação de Lula para Ministro seria nula por desvio de finalidade (ou desvio de poder)?
A Lei da Ação Popular, 4.717, de 1965, afirma que é nulo o ato administrativo praticado com desvio de finalidade e no artigo 2º, parágrafo único,
alínea e explicita que: "o desvio de finalidade se verifica quando o
agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita
ou implicitamente, na regra de competência".
Em que pese o texto da Lei da Ação Popular, a questão não é tão simples assim, por três fatores:
1º)
A referida nomeação trata-se de um ato político (ato de governo), e há
divergências doutrinárias no sentido da (im) possibilidade de controle
pelo judiciário de atos políticos (que não se confunde com atos
administrativos).
Há entendimento que caminha no sentido da
impossibilidade do controle judicial de atos políticos, haja vista a
distribuição de competências próprias à separação dos Poderes, a Constituição
atribuiu tais deliberações de forma privativa a outro Poder, não
podendo, portanto, interferir no mérito de um ato proveniente de outro
ato de Poder. Ademais, a Lei de Ação Popular é anterior à Constituição de 1988, devendo ser interpretada à luz da atual Carta Magna.
Hely
Lopes Meirelles (2002, p. 676) entende ser difícil o controle do ato
político pelo Poder Judiciário, devido ao seu maior discricionarismo,
mas em que pese tal dificuldade seria possível o controle quando
arguidos lesivos a direito individual ou ao patrimônio público.
Celso
Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 37) entende que tais atos são
suscetíveis ao controle judicial, em face do princípio da
inafastabilidade de jurisdição, apesar de não incluir os atos políticos
(ou de governo) entre os atos administrativos propriamente ditos.
As
Constituições de 1934 e 1937 proibiam expressamente que o Judiciário
ingressasse em questões exclusivamente políticas, conforme explicitavam,
respectivamente, os seus artigos 68 e 94.
Atualmente, a nossa Constituição
é omissa à respeito, o que traduziria em verdadeiro silêncio eloquente
("beredtes Schweigen"). Ou seja, diante da omissão, parece que o
legislador teria permitido o controle do ato político. Aliás, o silêncio
também pode ser interpretado, de molde a revelar o que constitui, ou
não, o conteúdo da norma.
2º) A presunção dos atos administrativos é de legitimidade.
3º) É extremamente difícil a comprovação do desvio de finalidade,
pois o agente geralmente não declara a sua verdadeira intenção; ele
procura ocultá-la para produzir enganosa impressão de que o ato foi
legal (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. 2014, p. 255). Assim, resta
comprovar o desvio de finalidade por meio de indícios, denominado de
"sintomas" por Cretella Júnior (1977: 209-2010).
Nosso posicionamento:
Não
pode um ato político passar incólume ao controle do Poder Judiciário,
pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, e todos, sem exceção
(inclusive aqueles que praticam típicos atos políticos), devem
submeter-se às normas jurídicas.
No caso concreto, em uma análise
panorâmica, parece que haveria clara violação ao princípio da
moralidade administrativa (artigo 37, caput da CF/88)
em eventual nomeação do ex-presidente para conquistar foro privilegiado
no Supremo Tribunal Federal, e fugir das garras de Sérgio Moro (juízo
natural da causa) - de acordo com o artigo 102 da Carta de 1988
competiria ao STF processar e julgar, originariamente, “nas infrações
penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado”.
De
qualquer forma, ainda que se entenda que o futuro ato de nomeação seja
válido (por se tratar de típico ato político), é cediço que o Supremo
Tribunal Federal, em casos envolvendo manobras imorais e fraudulentas na
tentativa de alterar o juízo natural da causa já entendeu que não há
deslocamento de competência. Veja-se: “(…) Renúncia de mandato: ato
legítimo. Não se presta, porém, a ser utilizada como subterfúgio para
deslocamento de competências constitucionalmente definidas, que não
podem ser objeto de escolha pessoal. Impossibilidade de ser aproveitada
como expediente para impedir o julgamento em tempo à absolvição ou à
condenação e, neste caso, à definição de penas. 2. No caso, a renúncia
do mandato foi apresentada à Casa Legislativa em 27 de outubro de 2010,
véspera do julgamento da presente ação penal pelo Plenário do Supremo
Tribunal: pretensões nitidamente incompatíveis com os princípios e as
regras constitucionais porque exclui a aplicação da regra de competência
deste Supremo Tribunal. (…) STF. Plenário. AP 396/RO, Rel. Min. Cármen
Lúcia, julgado em 28/10/2010.”
Em suma, continuaria sendo da
competência do juízo em que atua Sérgio Moro o processo e julgamento do
ex-presidente Lula. Ou seja, tornando-se Lula Ministro não haveria
deslocamento da competência para o Supremo Tribunal Federal, isso em
razão do entendimento do próprio Supremo acima colacionado.
Mark
Warren conceitua corrupção como sendo a "exclusão sistemática de certos
grupos da vida política de uma sociedade em proveito de outros".
A
corrupção, portanto, não se resume tão somente a um ato de ilegalidade.
É perfeitamente possível que tudo aconteça dentro da mais perfeita
legalidade (Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho, Ética e
vergonha na cara. 2014, p. 69).
Os protestos de domingo (dia
13/03/2016) deixaram bem claro o inconformismo da população com relação
aos escândalos políticos do nosso país. E a Presidente da República,
caso faça a nomeação do ex-presidente ao cargo de Ministro, estaria
excluindo sistematicamente os anseios de grande parte da nossa
sociedade.
Como bem apontam Mario Sergio Cortella e Clóvis de
Barros Filho (Ética e vergonha na cara. 2014, p. 69): "Percebe-se que,
de certa maneira, aqueles que detêm o poder de decisão não estão levando
o povo em consideração".
Parece que uma frase proferida pelo
ex-presidente Lula há aproximadamente 30 anos continua mais do que
atual: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia, mas
quando um rico rouba, ele vira ministro”.
Comentários
Postar um comentário