Abismo entre homens e mulheres é maior dentro de casa
As mulheres são minoria no mercado de
trabalho, mas maioria quando o assunto é trabalho precário. São elas que
ocupam a maior parte das funções temporárias, dos empregos informais e
das profissões socialmente desvalorizadas, segundo a pesquisa Mulheres e trabalho: breve análise do período 2004-2014 do Ministério do Trabalho e Previdência Social e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O estudo aponta ainda que na base dessa
pirâmide de desigualdades estão as mulheres negras, em maior número nas
piores ocupações. Quase 40% das mulheres negras trabalham em condições
precárias – percentual significativamente maior do que as mulheres
brancas (26,9%) e os homens negros (31,6%).
As mulheres negras também lideram as
estatísticas dos trabalhadores que não contribuem para a Previdência.
Pouco mais da metade delas, 55,8% é contribuinte. Entre as mulheres
brancas esse índice é de 70%. “Isso mostra o quanto a situação é ruim
para quem é negro e pior ainda para quem é mulher e negra no Brasil”,
avalia a coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério do Trabalho e
Previdência Social, Rosane da Silva.
Precariedade - Para
entender melhor essas estatísticas, é necessário primeiro definir o que é
trabalho precário. Segundo o Ipea, é todo aquele trabalho que oferece
renda de até dois salários mínimos nas seguintes ocupações: quem não tem
carteira assinada; aquele que realiza construção para próprio uso;
trabalhador por conta própria (urbano ou rural); empregador com até
cinco empregados; quem produz para consumo próprio (urbano); e quem
trabalha sem remuneração (urbano).
Um destes exemplos é o da vendedora de
cosméticos, Selma Julião Cerqueira, 56 anos, de Fortaleza, Ceará. Ela
começou a vender produtos de porta em porta há 30 anos, depois de perder
o emprego. “Era bom porque minha filha ia para a escola de manhã e eu
saía para vender. Quando ela voltava da escola eu ia para casa. Então,
conseguia sustentar a casa e cuidar dela”.
Selma conta que nunca pensou em voltar a
trabalhar para uma empresa porque a ocupação de vendedora estava dando
conta do que ela precisava. Mas em nenhum momento, em todos esses anos,
deixou de se preocupar com o fato de não ter segurança e garantias de
emprego e renda. “Depois de um tempo, comecei a pagar INSS como
autônoma, mas não tenho fundo de garantia nem renda fixa. Aliás,
garantir a renda é um problema, porque quando você trabalha por conta
nem sempre consegue receber pelo trabalho”, relata.
A falta de proteção social não é uma
preocupação apenas da Selma. Ele é o principal problema enfrentado pelas
trabalhadoras que vivem na informalidade. As contribuições com a
Previdência são, em cenários de crise, a garantia de que elas
conseguirão manter os padrões mínimos de sobrevivência até que a
situação se estabilize.
Além das estatísticas - Estar
socialmente protegida, no entanto, não é garantia de trabalho decente.
Há um grupo grande de trabalhadoras em vagas temporárias, terceirizadas
ou com jornadas exaustivas que também enfrenta dificuldades.
A presidenta do Sindicato dos
Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel), Louise Mara Pereira da
Silva, conta que no setor 70% são mulheres, a maioria com até 25 anos.
Ela diz que é um trabalho altamente estressante, mas que se encaixa na
jornada da maioria das mulheres que precisa conciliar emprego e família.
“Como esse é um trabalho que oferece risco à saúde do trabalhador, a
jornada é reduzida, seis horas por dia. Então as mulheres acabam
ocupando a maior parte das vagas porque assim conseguem conciliar a
dupla jornada”, analisa.
Louise lembra que a dupla jornada é
paradigma cultural e acredita que ainda vai levar um tempo para ser
superado. “Por virem de um histórico no qual as mulheres eram donas de
casa e não podiam deixar de dar conta dessa tarefa, elas acabaram
entrando no mercado de trabalho precariamente ou em funções desprezadas
pelos homens, e foram se sujeitando a isso. No caso das mulheres negras
foi ainda pior porque elas precisaram enfrentar o preconceito. Então,
não é escolha. E não é fácil mudar”, conclui a sindicalista.
Comentários
Postar um comentário