Quantas categorias profissionais sobreviverão a terceirização?
O projeto de lei que regulamenta e expande a terceirização no país (PL 4330/2004) não foi remetido ao Senado nesta segunda-feira (27), ao contrário do que era esperado. O texto final aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada ainda aguarda a finalização de procedimentos institucionais.
O famigerado Projeto de Lei 4330, na prática, acaba com os mais importante direitos contidos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). É um golpe, uma reforma trabalhista travestida de regulamentação da terceirização, um massacre contra os trabalhadores e um artifício para aumentar os lucros das empresas. Saiba por quê.
Permite a extinção de categorias inteiras – O PL 4330 autoriza a terceirização indiscriminada, não apenas nas atividades-meio, mas também nas atividades-fim (aquelas inerentes ao objetivo principal de uma determinada empresa). Com isto, categorias inteiras podem ser extintas e substituídas por terceirizadas, que pagarão menores salários e menos direitos.
Fim da categoria bancária – Hoje, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) considera ilegal a terceirização na atividade-fim do empregador, permitindo-a apenas nas atividades consideradas meio. No caso do sistema financeiro, as atividades-fim são a dos caixas, tesouraria, gerência, escriturários, entre outras. Serviços de segurança e limpeza, por exemplo, são consideradas atividades-meio. Se o PL 4330 for aprovado, a Súmula 331 deixará de valer, podendo bancos e financeiras demitir toda a categoria e substituir por empresas terceirizadas.
Empresa sem empregados – Ao permitir a contratação de terceirizadas nas atividades-fim, o PL 4330 permite a realização de um grande sonho dos patrões que é ser dono de uma empresa sem empregados.
Legaliza a fraude trabalhista – A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o TST consideram a terceirização da atividade-fim uma fraude trabalhista. Isto porque a contratação da mão de obra não é feita de forma direta, mas através de uma outra empresa. Este artifício é ilegal, pois permite a contratação de trabalhadores com menores salários e menos direitos.
Arrocha salários e extingue direitos – O objetivo principal é cortar custos para lucrar mais. Os bancos, mesmo sendo ilegal, terceirizam atividades-fim de alguns setores. Nestes casos, os trabalhadores recebem 1/3 dos salários dos bancários, têm jornadas bem maiores e não usufruem dos direitos contidos na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), como a PLR.
Responsabilidade solidária – O PL 4330 acaba com a responsabilidade solidária. Significa que se a terceirizada não arcar com as obrigações trabalhistas, a tomadora do serviço (no nosso caso, os bancos) passa a não ter qualquer responsabilidade pelo cumprimento destes compromissos.
Sem isonomia – O PL 4330 permite a isonomia apenas no direito de os terceirizados usarem os mesmos banheiros, refeitórios, ambulatórios e creches da empresa contratante. Mas não de salários e outros direitos.
Quarteirização – Mais incrível, permite que a terceirizada contrate uma outra terceirizada. Ou seja, a quarteirização. Ainda com menores salários e menos direitos.
Correspondentes bancários – Estabelece que as prestadoras de serviço trabalhem apenas para um setor determinado. Menos no caso dos correspondentes bancários, estimulando a ampliação do número de correspondentes bancários que podem serlojas de roupas, padarias, farmácias.
Sigilo bancário – O projeto põe em risco o sigilo bancário, já que as empresas terceirizadas não vão garantir a segurança das informações sobre as contas e operações bancárias dos clientes.
Queda da qualidade – Com salários mais baixos, alta rotatividade, jornada extensa e pouco treinamento os empregados das terceirizadas em geral prestarão serviços de baixa qualidade. Aumentando, também, a ocorrência de erros os mais diversos.
Mais acidentes e adoecimentos – De cada dez acidentes de trabalho, oito envolvem funcionários de terceiras. As condições precárias de trabalho vitimam os trabalhadores e resultam em mais gastos previdenciários e com saúde, significando mais gastos para toda a sociedade.
O Projeto de Lei 4330/2004, que regulamenta a terceirização, foi aprovado na quarta-feira (8) por 324 votos a favor, 137 contra e 2 abstenções, pelo plenário da Câmara dos Deputados. Na próxima semana, serão votados os destaques para, então, o PL seguir para apreciação do Senado.
Projeto polêmico na pauta da Casa desde 2004, teve a seu favor o lobby do empresariado encabeçado pela CNI e Fiesp e conta com o apoio da Força Sindical. Em lado oposto, contra o projeto, estão a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Conlutas e o Ministério Público do Trabalho, que é contra porque a instituição prevê precarização do emprego.
Para Fabíola Marques, advogada especializada em Direito Trabalhista – membro da Comissão de Estudos de Direito Trabalhista do IASP –, a terceirização já é um fato consumado e não existe mais a possibilidade de descartá-la do dia a dia das empresas com uma “canetada”. Contudo, ela aponta problemas no texto que irá para votação na Câmara.
“O projeto, quando autoriza a terceirização para qualquer tipo de atividade, comete um grande equívoco, porque foge do objetivo para o qual a terceirização foi criada, qual seja, permitir que empresas especializadas realizem esta sua competência para a contratante e permitam que a esta última ‘se preocupe’ com a sua finalidade principal". Ela também vê com preocupação a possibilidade de terceirização pelo Poder Público."Diante da precarização do serviço público, ausência de contratação por concurso público e inexistência de responsabilidade do governo pelo pagamento das verbas trabalhistas aos empregados contratados.”
Veja abaixo, em detalhes, o que muda caso a lei seja aprovada em definitivo:
1) Atividades que podem ser terceirizadas
Hoje: Podem ser terceirizados serviços de vigilância, limpeza e conservação e serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador.
Como será após aprovação do PL 4330: Qualquer atividade pode ser terceirizada (atividades inerentes, acessórias ou complementares da empresa tomadora).
2) Responsabilidade das empresas
Hoje: A empresa tomadora dos serviços (contratante) tem responsabilidade, ou seja, poderá ser condenada judicialmente ao pagamento das verbas trabalhistas e previdenciárias depois de esgotadas todas as possibilidades de cobrança da empresa prestadora dos serviços.
Como será após aprovação do PL 4330: A empresa tomadora dos serviços deverá fiscalizar o correto pagamento das verbas salariais e previdenciárias ao empregado terceirizado. Havendo a prova da fiscalização sobre o pagamento feito pela empresa prestadora de serviços, a responsabilidade da tomadora é apenas secundária. Se não houver prova da fiscalização sobre a empresa prestadora, a contratante terá responsabilidade solidária, isto é o terceirizado pode cobrar as verbas trabalhistas e previdenciárias de qualquer uma das empresas.
3) Vínculo empregatício
Hoje: Se o empregado comprovar judicialmente que existe pessoalidade na prestação de serviços (ou seja, que ele não pode ser substituído por outro no exercício de suas atividades) ou subordinação (que recebe ordens diretas e até mesmo, punições) da empresa tomadora, a terceirização é considerada irregular e o vínculo empregatício se forma diretamente com a empresa tomadora.
Como será após aprovação do PL 4330: Não existe regulamentação neste sentido.
4) Representação sindical
Hoje: Os empregados terceirizados são representados pelo Sindicato da categoria preponderante da empresa prestadora de serviços. Mas, se a terceirização for considerada irregular, o empregado terceirizado terá os mesmos direitos dos demais empregados da empresa tomadora.
Como será após aprovação do PL 4330: Os empregados terceirizados serão representados pelo Sindicato da categoria da empresa prestadora de serviços. O sindicato poderá ser o mesmo da empresa tomadora se a atividade terceirizada pertencer à mesma categoria econômica.
5) Exigência de capital social mínimo
Hoje: Não é regulamentado.
Como será após aprovação do PL 4330: Exigência de capital social mínimo conforme a quantidade de empregados.
6) Imobilização do capital social
Hoje: Não é regulamentado.
Como será após aprovação do PL 4330: Negociação coletiva poderá exigir a imobilização do capital social em até 50% por cento.
7) Alteração de empresa prestadora de serviços
Hoje: Não é prevista a troca da empresa prestadora de serviços. Mas, na prática, a troca de empresas prestadoras tem sido considerada pela Justiça do Trabalho como indicativo de existência de fraude na contratação de terceirizados.
Como será após aprovação do PL 4330: Prevê a possibilidade de troca da empresa prestadora de serviços com a admissão dos empregados da antiga contratada e garantia dos salários e direitos do contrato anterior.
8) Fornecimento de refeição, transporte e serviço médico aos empregados terceirizados
Hoje: Não é regulamentado. Porém, o fornecimento de refeição, transporte e atendimento ambulatorial aos terceirizados pode ser considerado como indicativo de existência de fraude na contratação de terceirizados.
Como será após aprovação do PL 4330: Prevê o fornecimento de refeição, transporte e atendimento ambulatorial aos terceirizados.
9) Proibição de sócios da empresa prestadora de serviços
Hoje: Não é regulamentado.
Como será após aprovação do PL 4330: O sócio da empresa prestadora de serviços não poderá ser sócio, administrador ou ter mantido vínculo empregatício nos últimos dois anos com a empresa tomadora.
10) Recolhimento antecipado de tributos
Hoje: Não é regulamentado.
Como será após aprovação do PL 4330: A empresa tomadora deverá fazer o recolhimento antecipado dos tributos devidos pela empresa prestadora.
11) Quarteirização
Hoje: Não é regulamentado.
Como será após aprovação do PL 4330: A empresa prestadora dos serviços que subcontratar outra empresa para a execução do serviço será solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada.
12) Administração pública
Hoje: A terceirização irregular pela Administração pública não gera vínculo de emprego entre o trabalhador terceirizado e os órgãos da Administração Pública direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), indireta (autarquias ou empresas públicas) ou fundacional. Porém, a administração pública tem responsabilidade subsidiária pela contratação.
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