Com a desaceleração da economia e a inflação em alta, os sindicatos de
trabalhadores iniciaram as campanhas salariais de 2015 diante de um
cenário bem mais adverso do que no ano passado. Em São Paulo, no Rio
Grande do Sul e em Santa Catarina, as negociações fechadas no primeiro
trimestre tiveram, na maioria dos casos, ganhos reais nulos ou
inferiores aos conquistados de 2014.
Em Bento Gonçalves (RS), os trabalhadores do ramo de mobiliário, que
tiveram aumento real de 1,9% no ano passado, não conseguiram fechar um
percentual acima da inflação acumulada até janeiro, de 7,13%. Entre os
metalúrgicos de Criciúma (SC), a alta real desacelerou de 4,2% no ano
passado para 1,2% em 2015.
A campanha dos funcionários do ramo de limpeza em São Paulo acompanhou
de certa forma a rápida deterioração dos indicadores de atividade no
primeiro trimestre. Após nove dias de greve, a categoria de limpeza
urbana fechou na terça-feira ganho real de 1,82% para os garis nos
municípios do ABC - inferior aos 4,61% de 2014. Com data-base em
janeiro, os empregados dos segmentos de manutenção de áreas verdes e
asseio e conservação, representados pela mesma entidade, fecharam
percentuais superiores ao da campanha de 2014, 4,6%.
Diante da dificuldade maior de garantir ganhos reais como no ano
passado, os sindicalistas afirmam que as campanhas devem dar atenção
especial às cláusulas sociais e a benefícios que possam incrementar o
poder de compra dos trabalhadores - altas maiores no tíquete
alimentação, cestas básicas ou pagamento de abono.
Em São Paulo, os calçadistas de Franca, com data-base em fevereiro,
acordaram aumento real de 1,03%. No ano passado, a alta foi de 2,7%. O
reajuste nominal de 8,84% é bastante inferior ao pedido pela categoria,
de 13%, mas, diante da piora da atividade no decorrer dos três primeiros
meses do ano, o resultado poderia ter sido pior, avalia Luís Borges de
Lima, da diretoria do sindicato.
"A gente não podia demorar pra fechar o acordo. Todo dia era uma
notícia ruim nova sobre a economia", diz o sindicalista, justificando a
ausência de uma greve na campanha salarial deste ano. Antes das cinco
rodadas de negociação, a proposta patronal cobria apenas o Índice
Nacional de Preços aos Consumidor (INPC) acumulado em 12 meses até
janeiro, de 7,13%.
As empresas farmacêuticas do Estado também acenaram apenas com a
inflação projetada para os 12 meses encerrados em abril, de 7,99%, no
início dos diálogos com a federação dos químicos do Estado, a Fequimfar,
ligada à Força Sindical. Na segunda rodada de negociação, no último dia
30, a proposta subiu para 8,5%, ainda longe do percentual pedido pelos
trabalhadores, de 12,81%, com 5% de alta real. Com data-base em 1º de
abril, a categoria conta com 12 mil funcionários.
"Neste ano vamos precisar de ainda mais criatividade para colocar
dinheiro no bolso do trabalhador", comenta Sérgio Luiz Leite, presidente
da entidade. Em paralelo ao reajuste salarial, a Fequimfar pretende
intensificar as negociações referentes a benefícios como tíquete
alimentação, auxílio-creche, abono e programa de distribuição de lucros.
A Federação de Trabalhadores em Serviços, Asseio e Conservação
Ambiental, Urbana e Áreas Verdes do Estado de SP (Femaco) conseguiu para
as categorias com data-base em janeiro reajustes ainda maiores do que
os fechados em 2014. Os trabalhadores dos ramos de asseio e conservação e
manutenção de áreas verdes tiveram correção nominal nos salários de
11,73% - aumentos real de 4,6%.
A negociação foi mais difícil para a categoria de limpeza urbana, com
data-base em março. No início da campanha, quando a federação pedia os
mesmos11,73% de correção, as empresas de limpeza ofereceram correção de
6,5%, afirma Roberto Santiago, presidente da entidade. O percentual era
inferior ao INPC projetado para o acumulado até março, acima de 7%. Sem
acordo, a categoria, que conta quase 30 mil funcionários em várias
cidades do Estado, entrou em greve no último dia 25. Após a última
mediação feito pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP),
no dia 31, as empresas que atendem aos municípios do ABC conseguiram
fechar a negociação com reajuste de 9,5%.
Apesar dos sinais ruins, José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador
de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estudos e
Estatísticas Socioeconômicas (Dieese), diz ser difícil arriscar
previsões para o comportamento das negociações em 2015. A inflação alta,
acima de 7% no acumulado em 12 meses, corrói os ganhos reais das
categorias, afirma, mas o cenário geral ainda é de muita incerteza. "O
imbróglio se dá na dimensão política e econômica", pondera, lembrando
que, mesmo com a alta de apenas 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em
2014, os acordos conseguiram ganhos ainda superiores aos de 2013, de
1,39% em termos reais.
Segundo o Dieese, todos os acordos fechados no primeiro semestre de
2014 no Rio Grande do Sul tiveram aumentos acima do INPC acumulado nos
12 meses anteriores. Em Santa Catarina, o percentual chegou a 90%.
Agora, as medidas de ajuste do governo, incluindo a redução da
desoneração da folha de pagamentos, e a insegurança política são
"complicadores", admite o supervisor técnico do escritório gaúcho da
entidade, Ricardo Franzoi. Em Santa Catarina, o supervisor técnico José
Álvaro Cardoso entende que os empresários estão contaminados pelo
"pessimismo construído pela mídia e pela oposição".
Conforme Cardoso, o dado positivo é que o mercado de trabalho no Estado
ainda não reflete o tamanho do pessimismo. Segundo o Cadastro Geral de
Emprego e Desemprego (Caged), no acumulado de 12 meses até fevereiro
houve alta 1,55% no nível de emprego em Santa Catarina, com a geração de
31,5 mil novas vagas.
No Rio Grande do Sul, onde houve queda de 0,14% no mesmo período, com a
supressão de 3,8 mil postos de trabalho, a situação é mais difícil. Os
trabalhadores nas indústrias da alimentação de Caxias do Sul e do
mobiliário de Bento Gonçalves, que têm data-base em fevereiro e em 2014
obtiveram 1,9% de ganho real, devem ficar só com o INPC de 7,13% neste
ano.
O mesmo vale para os empregados de empresas de vigilância privada no
Estado, que mesmo depois de uma greve de quatro dias no início de março
para brigar por um reajuste total de 12%, conseguiram apenas 7,16%,
praticamente igual à inflação acumulada. No ano passado, eles haviam
obtido aumento real de 3%.
Com data-base em março, os professores do ensino privado tiveram ganhos
reais de 0,6% no nível superior e de 0,9% na educação básica em 2014 e
pediram 1,2% e 1,7% acima do INPC, respectivamente, agora. "Não há crise
no setor porque a educação básica está com ocupação plena e as
universidades se beneficiam com o Fies e o Prouni", diz o diretor do
Sinpro, que representa os trabalhadores, Amarildo Censi.
O presidente do Sinepe, sindicato das escolas privadas, Bruno Eizerik,
entretanto, avisa que "é muito difícil falar em aumento real" neste ano.
De acordo com ele, as mensalidades das universidades particulares foram
reajustadas em média em 7,5%, abaixo do INPC acumulado de 7,68% em 12
meses, e as instituições enfrentam problemas com outros aumentos de
custos, como a energia.
O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Caxias do
Sul pediu 4% de aumento real para os empregados das empresas que
produzem óleos vegetais, disse o vice-presidente Milton dos Santos. O
Sinóleo, que representa as indústrias do segmento, porém, admite no
máximo pagar o INPC. "A situação está bem mais dura este ano", reconhece
o sindicalista.
Já o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do
Mobiliário de Bento Gonçalves pediu 5% além do INPC neste ano. "As
empresas vêm com choradeira todos os anos, mas em janeiro houve a
abertura de 500 novas vagas na cidade e se com o dólar a R$ 1,60 elas já
ganhavam nas exportações, agora estão ganhando muito mais", disse o
presidente da entidade, Itagiba Lopes.
Para o presidente do Sindmóveis, que representa as indústrias do setor,
Henrique Tecchio, o pedido de aumento é "irreal" ante o fraco
desempenho de 2014 e a perspectiva de um "ano pior" em 2015. O
faturamento das empresas do polo moveleiro, diz, caiu 9,4% em 2014 e
neste ano o governo reduziu a desoneração da folha de pagamento, ao
mesmo tempo em que o dólar mais caro, embora beneficie as exportações,
tem impacto negativo sobre os custos das matérias-primas.
Em Santa Catarina, as categorias com data-base em janeiro conseguiram
acordos um pouco melhores. Tanto os metalúrgicos de Jaraguá do Sul
quanto os de Criciúma receberam aumentos reais de 1,2%, mas ainda assim o
percentual ficou abaixo dos ganhos obtidos em 2014.
No ano passado, os metalúrgicos de Criciúma tiveram 4,2% de aumento
real e neste mês chegaram a fazer uma greve de cinco dias para brigar
por 6% além do INPC acumulado, mas a adesão foi baixa e o sindicato
acabou fechando a negociação bem abaixo disto. "O discurso do medo se
espalhou entre empresários e trabalhadores", disse o diretor da
entidade, Oderi Gomes.
"Em 2014, o cenário era diferente, com as fábricas cheias [de
encomendas], mas agora os pedidos estão em queda", explica o presidente
do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas de Criciúma, Guido Búrigo. De
acordo com ele, além das reduções de benefícios como a desoneração da
folha, as empresas enfrentam altas nos custos de insumos como energia e
combustíveis e estão fazendo um "esforço" para não demitir.
Em Jaraguá, os metalúrgicos haviam obtido 1,4% de aumento real em 2014 e
neste ano pediram 5% além da inflação, mas tiveram que se contentar com
1,2%. "Foi uma negociação difícil, com debates acalorados, mas diante
do cenário foi um bom acordo", entende o presidente do sindicato local
dos trabalhadores, Silvino Volz.
O presidente do sindicato patronal, Célio Bayer, disse que no início
das negociações as empresas ofereceram um ponto percentual acima do INPC
acumulado de 6,23% para evitar o dissídio. Segundo ele, o acordo foi
fechado ainda em janeiro, depois de um ano "estável" e num momento em
que o clima na economia não era tão sombrio. "Se fosse agora, seria
totalmente diferente", afirmou.
Com a maior incerteza em relação aos rumos da economia no resto do ano,
as negociações salariais no primeiro semestre tendem a ser mais
difíceis do que as do segundo. Nesse sentido, algumas categorias darão
largada à rodada de negociações de 2015 no Nordeste com foco nas
cláusulas sociais dos acordos trabalhistas.
No Ceará, 16 categorias vinculadas a Central Única dos Trabalhadores
(CUT) têm data-base em primeiro de maio, entre metalúrgicos, têxteis e
sapateiros. Juntas, elas empregam 36 mil pessoas no Estado.
No ano passado, os metalúrgicos do Estado começaram as negociações
pedindo reajuste nominal de 15% e conseguiram 8%. Este ano, a proposta
inicial dos trabalhadores já partirá de um percentual mais baixo, de
13%, o mesmo que será proposto pelo sapateiros e pelos trabalhadores do
ramo têxtil.
Segundo Will Pereira, presidente da CUT Ceará, para compensar um
possível reajuste menor esse ano, as categorias pedirão benefícios como o
de meio salário mínimo como auxílio para a compra de material escolar,
ampliação do horário de almoço de 1h para 1h30, aumento da hora extra e
participação nos resultados. "É uma oportunidade para jogar na pauta
temas como redução da jornada de trabalho. Este não é um ano de greve,
mas sim de diálogo", afirmou.
Na Bahia, os rodoviários, professores federais e municipais e
servidores da saúde estão realizando as primeiras assembleias para o
início das campanhas salariais. Cedro Silva, presidente da CUT Bahia,
acredita que o governo e as empresas devem adotar um comportamento ainda
mais cauteloso na concessão de reajustes salariais acima da inflação no
primeiro semestre. "Acredito que o ganho real vai acontecer para a
maior parte das categorias, mas não nos patamares dos anos anteriores",
diz.
Em Pernambuco, onde a maior parte dos servidores estaduais e federais
tem campanha salarial no primeiro semestre, o discurso adotado será o de
que "o ajuste fiscal não poderá ser pago pelo trabalhador", segundo
Carlos Veras, presidente da CUT-PE.
Para Veras, as campanhas salariais no setor público têm ficado mais
difíceis a cada ano por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
"Neste ano, a questão tem ainda mais peso porque a arrecadação dos
Estados está baixa", diz.
No primeiro bimestre, Pernambuco ultrapassou o limite prudencial de
gastos com pessoal estipulado pela LRF. Por causa disso, apurou o Valor,
a orientação é de não dar reajuste aos servidores este ano.
Comentários
Postar um comentário