A Ineficácia da súmula 245 do Tribunal Superior do Trabalho nos dias de hoje

 Publicado por Edgar Herzmann 
I. A Ineficácia da súmula 245 do TST nos dias de hoje, visto que há norma específica que trata do tema, a qual se torna aplicável ao processo trabalhista por força do artigo 769 da CLT.
Os recursos no processo do trabalho estão previstos no Capítulo VI da Consolidação, mais precisamente do artigo 893 ao 901. O artigo 899, § 1º, prevê (pois ainda não foi formalmente revogado) o valor de referência regional como parâmetro para os depósitos recursais. Todavia, com a extinção do valor de referência pelo artigo , III, da Lei 8.177/1991[1], os limites do depósito recursal a que se refere este dispositivo passam a ser fixados por ato normativo do Tribunal Superior do Trabalho – TST, tendo por reajustes a variação acumulada do INPC do IBGE, de acordo com o inciso VI da Instrução Normativa nº 3/1993 do TST[2].
Entretanto, tanto no artigo 899 da CLT quanto na Instrução Normativa nº 3 do TST, os quais preveem e estipulam valores atinentes aos depósitos recursais, não há nenhuma previsão no sentido de que a parte recorrente deve recolher e comprovar o depósito dentro do prazo recursal. Ou seja, há na legislação trabalhista uma previsão legal que obriga o recorrente a depositar o valor mínimo estabelecido pelo TST, porém não diz quando tem que ser realizado o depósito.
Assim, frente à omissão da CLT acerca de tal situação, o TST editou a súmula 245, segundo a qual “o depósito recursal deve ser feito e comprovado no prazo alusivo ao recurso”. Com a criação desse preceito sumular, a parte recorrente deve efetuar o depósito e comprová-lo dentro do prazo do recurso, sendo que qualquer diferença a menor caracteriza deserção, impedindo, pois, o conhecimento do recurso.
Entretanto, destaca-se que a aplicabilidade da súmula 245 do TST perdeu sua eficácia a partir do momento em que o procedimento comum estabeleceu as regras do jogo quanto ao preparo (artigo 511 do CPC). Assim, uma vez que a súmula 245 foi editada em 1985 para suprir a inexistência de uma previsão legal acerca da matéria, e o atual artigo 511 do CPC foi implantado em 1998, suprindo, portanto, essa deficiência legislativa, tem-se que admitir que a necessidade da vigência da referida súmula não mais se perfaz, visto que o ordenamento jurídico passou a adotar norma específica.
Isto se dá pelo fato de que, primeiro, norma legal se sobressai ao entendimento de um determinado Tribunal, mesmo que superior, por meio de uma súmula, enquanto a respectiva norma permanecer vigente. Segundo, o artigo 769 da CLT é claro ao afirmar que “nos casos omissos o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho”. Isto significa dizer que, quando a CLT se omitiu ao não estabelecer o momento em que a parte recorrente deve comprovar o pagamento do depósito recursal, coube ao TST, naquela época, criar uma súmula para tratar de tal matéria. Todavia, com a entrada em vigor do artigo 511 do CPC tempos depois, não mais se deveria aplicar a súmula 245, conforme explicado acima, haja vista que o procedimento comum é que deveria ser aplicado ao processo do trabalho, por força do artigo 769 da CLT.[3]
Neste sentido, o processo trabalhista, no tocante ao trato dos depósitos recursais, deveria seguir o estabelecido no processo civil. Assim, o artigo 511 e parágrafos do CPC passariam a ser aplicados ao processo do trabalho tendo em vista a omissão da Consolidação no particular.
O referido artigo 511 coaduna com a súmula 245 do TST apenas no que se refere ao tempo de comprovação do depósito recursal, que é no ato da interposição do recurso. No entanto, quando se trata de preparo insuficiente, isto é, quando a parte recorrente efetua o depósito em quantia inferior ao devido, a coisa muda de figura. Pela interpretação do TST, o recurso se torna deserto quando o valor do preparo é efetuado a menor, mesmo diante de um valor insignificante[4], não havendo possibilidade de correção por parte do recorrente. Ao passo que, pela leitura do artigo 511, , do CPC, a insuficiência no valor do preparo implicará deserção somente se, após intimado, o recorrente não suprir o valor faltante no prazo de cinco dias.
Deste modo, tem-se a seguinte situação: o TST ignorou o comando do artigo 769 da CLT ao manter em vigor a súmula 245, “passando por cima” da legislação subsidiária que deveria ser aplicada ao processo do trabalho, visto que a CLT foi omissa nesse sentido.
Pois bem, dito isto, sabendo-se que na realidade processual trabalhista as regras do processo comum não são aplicadas no tocante ao preparo e sua insuficiência, quando deveria ser por força do artigo 769 da CLT, passa-se a analisar tal procedimento adotado pelo TST à luz de princípios constitucionais, a fim de evidenciar as irregularidades constitucionais desta prática processual.
I. I. Do cerceamento de defesa
Como visto anteriormente, no processo do trabalho ainda vigora o posicionamento adotado pelo TST no sentido de que o recorrente deverá comprovar o pagamento total do preparo no mesmo ato de interposição do recurso, bem como a insuficiência do preparo, por mínima que seja, acarreta a sua deserção. Tal prática ocorre sem ao menos haver a devida intimação do recorrente para complementar o preparo e assim regularizar a situação.
Neste sentido, a não aplicação do artigo 511, § 2º, do CPC ao processo trabalhista cerceia o direito de defesa da parte recorrente previsto no artigo , LV, da CRFB/1988, pois, antes de ser aplicada a deserção, o recorrente tem o direito de ser intimado para efetuar o complemento do preparo.
I. II. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
Importante se faz estabelecer um paralelo entre os procedimentos adotados pela Justiça do trabalho e a importância de haver o contraditório e a ampla defesa. Explica-se:
Esse enrijecimento da Justiça do Trabalho no sentido de negar seguimento aos recursos por insuficiências de preparo, mesmo diante da possibilidade legal de aplicar subsidiariamente norma que trata especificadamente do tema, que de modo eficaz e rápido supriria o vício, é como um mínimo frente ao máximo dos direitos requeridos em âmbito recursal.
Se quer dizer que, a razoabilidade/proporcionalidade deverá ser evidenciada para evitar prejuízos, restrições e perda do objeto máximo (contraditório e ampla defesa), apenas para satisfação do mínimo (denegar seguimento ao recurso por insuficiência de preparo).
O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade tem o condão de restringir excessos, preconizando a compatibilidade entre os meios e os fins, no intuito de afastar restrições desnecessárias e abusivas por parte do Poder Judiciário.
O princípio da razão proporcional entre os meios e os fins, está vinculado com a ideia de que o direito maior (contraditório e ampla defesa) se sobrepõe ao direito menor em denegar seguinte ao recurso por insuficiência de preparo.
Portanto, entende-se que há a necessidade de quebrar paradigmas para que a didática procedimental de análise da admissibilidade recursal seja mais flexível nessa Justiça especializada (o que não se confunde com negligência ou afrouxamento dos pressupostos) a ponto de, numa eventual falha humana com o preparo, seja oportunizada uma chance de regularização quanto ao seu valor integral. O que na verdade já é praxe em outras jurisdições, menos na Justiça do Trabalho.

[1] Art. 3º Ficam extintos a partir de 1º de fevereiro de 1991:
[...]
III - o Maior Valor de Referência (MVR) e as demais unidades de conta assemelhadas que são atualizadas, direta ou indiretamente, por índice de preços.
[2] VI - Os valores alusivos aos limites de depósito recursal serão reajustados anualmente pela variação acumulada do INPC do IBGE dos doze meses imediatamente anteriores, e serão calculados e publicados no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho por ato do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, tornando-se obrigatória a sua observância a partir do quinto dia seguinte ao da publicação.
[3] Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
[4] Há decisões do TST de não conhecimento do recurso por deserção por faltar um centavo para atingir o valor estabelecido.
Edgar Herzmann
Advogado
Advogado em Florianópolis/SC.


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