Trabalho autônomo cresce com desaceleração de vagas formais
FONTE: Valor
Trabalho autônomo cresce com desaceleração de vagas formais
Enquanto a geração de vagas com carteira assinada perdeu fôlego em todo
o país e também nas seis principais regiões metropolitanas, outro tipo
de ocupação tornou-se mais expressivo: os trabalhadores por conta
própria. Segundo dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, a
quantidade destes profissionais aumentou 4,2% de janeiro a setembro em
relação a igual período de 2013 nas seis maiores áreas metropolitanas,
acréscimo de 1,5 milhão de pessoas. Na mesma comparação, o total da
população ocupada caiu 0,2%.
Considerando os nove primeiros meses do ano, essa é a maior alta do
contingente de trabalhadores por conta própria desde 2004, ano a partir
do qual é possível fazer comparações usando os dados desde janeiro. De
janeiro a setembro de 2004, o número de profissionais por conta própria
cresceu 5,6%. Desde então, vinha mostrando variações mais comedidas, mas
voltou a ganhar ritmo desde 2012.
O avanço dos conta própria foi o mais forte entre todas as categorias
de ocupações até setembro. Na definição do IBGE, um ocupado se enquadra
nessa classificação quando "trabalha explorando o seu próprio
empreendimento, sozinho ou com sócio, sem empregado e contando, ou não,
com ajuda de trabalhador não remunerado de membro da unidade
domiciliar". Caso haja ao menos um funcionário, o pesquisado é
considerado empregador, segmento que recuou 2,9% no acumulado do ano.
Para economistas consultados pelo Valor, além do aumento do
microempreendedorismo individual, o movimento dos conta própria neste
ano também reflete a estagnação da atividade econômica e suas
consequências sobre o mercado de trabalho - com a maior dificuldade em
conseguir um emprego com carteira, mais pessoas podem ter optado por
trabalharem sozinhas para garantir seus rendimentos, seja formal ou
informalmente.
Criada em julho de 2009, a figura jurídica do Microempreendedor
Individual (MEI) facilitou a formalização nos pequenos negócios
individuais e pode explicar parte do aumento dos conta própria.
Levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) mostra que, em cinco anos, cerca de 4,5 milhões de pessoas se
formalizaram como MEI, 900 mil apenas em 2014 (até outubro).
Esse microempresário pode faturar até R$ 60 mil ao ano, tendo ou não um
empregado. No entanto, a fatia de MEIs que possui um funcionário
formalizado é pouco significativa: 4,5%, de acordo com dados da
Declaração Anual do MEI, da Receita Federal.
Segundo o Perfil do Microempreendedor Individual de 2013 (último
levantamento disponível), também do Sebrae, 39,3% dos MEIs atuavam no
comércio e 36,7% nos serviços. A indústria vinha em seguida, com 14,7%.
No topo das atividades mais frequentes, está o comércio varejista de
artigos do vestuário e acessórios, que, no ano passado, representava
10,8% dos MEIs.
Esse é o caso de Hudson Francley, de 25 anos, que já trabalha desde
2012 como vitrinista autônomo em uma rede de lojas de roupas femininas,
emprego que mantém ao mesmo tempo em que cuida de sua própria marca de
vestuário, a All Gustan. A ideia do negócio existia desde que se formou
em design de moda, há dois anos, mas os planos tiveram que sair do papel
inesperadamente no mês passado, quando Hudson e sua sócia, Renata
Alves, conseguiram espaço para expor em uma nova galeria na rua Augusta,
em São Paulo.
"Tivemos menos de um mês para criar e montar todas as peças, mas as
vendas estão indo bem", relata o microempresário, que pretende manter
seu emprego de vitrinista, mas sem carteira assinada. "Quando você é
registrado como CLT, o salário tem muitos descontos. Ganho mais como
autônomo", diz. Na área da moda, segundo Hudson, é mais difícil achar
ocupações celetistas, e geralmente os salários não são muito altos.
Para Rafael Bacciotti, economista da Tendências Consultoria, essa é a
principal razão por trás do aumento expressivo no contingente de
profissionais por conta própria ao longo deste ano. "O aumento do
empreendedorismo ocorreu por fatores conjunturais, e está ligado de
alguma forma à necessidade de expansão da renda, como resposta a um
ciclo desfavorável", disse.
Como o tempo de procura por uma ocupação tem aumentado - o percentual
de pessoas desempregadas há seis meses ou mais passou de 21%, na média
de janeiro a agosto de 2013, para 26% em igual período deste ano - é
natural que as pessoas passem a buscar alternativas, e se tornar
autônomo é uma delas, afirma Bacciotti.
Luiz Barretto, presidente do Sebrae, discorda dessa avaliação, ao menos
no caso do microempreendedor. Há uma década, diz, a maioria dos
microempresários abria um negócio próprio porque não encontrava emprego,
mas hoje, a cada três pessoas que iniciam um empreendimento, duas o
fazem porque identificaram um nicho de negócio.
"Isso muda completamente a qualidade do empreendedorismo no país",
comenta Barretto, para quem o aquecimento do mercado de trabalho nos
últimos dez anos e o aumento da escolarização promoveram o
empreendedorismo como uma alternativa de ocupação e renda, e não mais
uma necessidade.
O pesquisador Rodrigo Leandro de Moura, do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), identifica um terceiro
motivo relacionado ao avanço dos conta própria. Diante do baixo
crescimento da economia, as empresas podem estar contratando
funcionários como pessoas jurídicas ao invés de celetistas, o que está
se refletindo nas estatísticas do IBGE, afirma. Nos 12 meses até
setembro, a ocupação com carteira subiu 1,1% na PME, ante alta de 3,6%
dos conta própria.
Como o desemprego ainda está baixo, devido à redução da oferta de mão
de obra, e os custos de demissão são elevados, Moura avalia que uma das
maneiras das empresas ajustarem seu caixa sem dispensar funcionários é
fazer as contratações necessárias como profissionais autônomos.
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