MOTORISTA E COBRADOR - CONDIÇÕES PARA EXERCER AS FUNÇÕES SIMULTANEAMENTE
Sergio Ferreira Pantaleão
A década
de 90 trouxe uma série de influências externas que forçaram as empresas a
produzir cada vez mais se utilizando de cada vez menos recursos humanos para serem
competitivas no mercado globalizado.
Um dos
recursos mais utilizados pelas empresas para buscar otimizar ao máximo a
capacidade de produção da organização é o da
tecnologia e informatização.
Atualmente
inúmeras empresas brasileiras de transporte coletivo já adotaram os
cartões e bilhetes que possibilitam a liberação das catracas eletrônicas
dos ônibus e das estações de trem e metrô.
Como
os
cartões e bilhetes passaram a ser adquiridos antecipadamente pelos
usuários em diversos pontos de venda ou através do vale transporte
adiantado pela empresa empregadora, as empresas concessionárias
previram a extinção gradual da função de cobrador. Contudo, o usuário
ainda tinha a opção de se valer do sistema tradicional de adquirir, em
moeda corrente, a passagem no ato do embarque.
Com essas
mudanças as empresas de transporte coletivo vêm reduzindo,
gradativamente, o número de cobradores em determinadas linhas,
principalmente as de menor fluxo. Como a empresa ainda precisa manter a
opção do vale tradicional ou do pagamento da passagem em dinheiro, este
trabalho passou a ser exercido pelo próprio motorista do ônibus ou micro ônibus.
Há linhas
em que a função de cobrador simplesmente não existe mais e 100% destes
trabalhadores foram remanejados de função ou acabaram perdendo o emprego.
As
empresas, se valendo do art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal, o
qual reconhece a validade dos acordos ou convenções coletivas,
estabelecem em Convenção Coletiva que o motorista poderá atuar
concomitantemente na cobrança da tarifa sem que seja, contudo,
considerado acúmulo de função e, portanto, não exige qualquer ônus ao
empregador.
Entretanto, há cláusulas convencionais que estabelecem uma gratificação nestes casos, isto para
compensar uma "atividade extra" que era de responsabilidade do cobrador
e que, a partir da cláusula convencional, passou a ser de
responsabilidade do motorista.
Esta
manobra vem sendo utilizada sempre que possível pela maioria das
empresas, principalmente depois que o TST julgou improcedente a ação
ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina (12ª
região), na qual pedia anulação de cláusula de acordo coletivo do
Sindicato dos Trabalhadores que permitia o acúmulo de função de
motorista e cobrador mediante gratificação mensal de R$ 10,95.
Como se
trata de um assunto específico o qual não é tratado pela legislação
trabalhista, tal situação será normatizada por meio de acordo ou
convenção coletiva de trabalho e pelo entendimento jurisprudencial.
Tendo em vista a falta de norma específica, há
entendimentos jurisprudenciais que, dependendo do caso específico, ora
tende a aceitar o exercício concomitante de ambas as funções e ora tende
a negar tal possibilidade, conforme jurisprudências abaixo:
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO SINDICATO DE CLASSE. ACÚMULO DE FUNÇÃO. MOTORISTA E COBRADOR. MICRO-ÔNIBUS. Em processos em que se discute a possibilidade de acúmulo das funções de motorista e cobrador, esta Corte tem dirimido a questão conforme o art. 456, parágrafo único, da CLT, que dispõe que -à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal-. Assim, tem decidido pela possibilidade do exercício da dupla função em casos como o de motorista de micro-ônibus. Violação da lei e da Constituição Federal não configurada. Ressalva de entendimento pessoal. Recurso de revista de que não se conhece. (TST - RR: 14196120105030013 , Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 04/12/2013, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/12/2013).
RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO SINDICATO DE CLASSE. ACÚMULO DE FUNÇÃO. MOTORISTA E COBRADOR. DECLARAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE ACÚMULO, EM FACE DAS PARTICULARIDADES DO CASO. O TRT, ante a realidade fática apreciada, disse que não é compatível o exercício concomitante da função de motorista com a de cobrador. Afirmou que, diante da realidade vivenciada pelos motoristas cujos direitos estão sendo debatidos nesta ação civil pública, que se encontram em situação de trânsito cada vez mais estressante e pressionados pela necessidade de cumprimento de horários, a validade da dispensa do cobrador exige prova (cuja produção envolva especialistas de várias áreas) de que este acréscimo de atribuições e responsabilidades não coloca em risco o motorista e os passageiros, mas essa prova não foi produzida. Nesse contexto, não há violação do art. 456, parágrafo único, da CLT. Decisão contrária, como pretende a recorrente, remete à análise do conjunto probatório, vedado pela Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece. TST-RR-1434-15.2010.5.03.0018. Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento:27/06/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/08/2012).
Poderá
haver ainda problemas de cunho legislativo municipal, pois a
Constituição Federal estabelece (art. 30, V) aos municípios a
competência de legislar, dentre outros assuntos, sobre o transporte
coletivo, que tem caráter essencial.
Havendo
lei municipal obrigando as empresas concessionárias a operarem com a
presença de cobradores em todos os ônibus coletivos, a convenção da
categoria profissional não poderá superar a lei municipal, pois esta,
indiretamente, garante proteção à função de cobrador naquele município.
Portanto,
não havendo lei dispondo em contrário, a Justiça Trabalhista somente
reconhece a possibilidade do exercício das funções simultaneamente,
desde que prevista em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, já que
em muitas cidades e Estados tal tecnologia no sistema de transporte
coletivo ainda não foi implantada e a função específica de cobrador
ainda continua sendo exercida normalmente.
Ainda
que haja previsão em acordo ou convenção coletiva é salutar que as
empresas preveem tal situação no contrato individual de trabalho, ou
seja, que faça constar no contrato que o motorista irá também cobrar os
passageiros.
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